sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Indonésio, muito dinheiro e presidente "boleiro": os segredos da força chinesa

Mudança da base do campeão Corinthians para a China expõe desequilíbrio: "No Brasil, é gostoso de jogar, tem torcida, mas em salários a China está avançada"


Ralf e Renato Augusto treino Corinthians (Foto: Daniel Augusto Jr/Ag. Corinthians)Campeões brasileiros, Ralf e Renato Augusto trocarão o Corinthians pelo futebol chinês (Foto: Daniel Augusto Jr/Ag. Corinthians)
Junte um mercado sedento por jogadores, um país que fabrica talentos aos montes, um presidente fã de futebol, um empresário indonésio que transita com facilidade pelo meio e dinheiro... muito dinheiro. É com essa fórmula que a China não para de importar atletas brasileiros ou que atuam no Brasil. Neste início de 2016, está levando a base do time que tornou o Corinthians campeão brasileiro em 2015 (Ralf, Jadson e Renato Augusto já acertaram, Elias e Gil receberam propostas) e fez ainda ofertas por Anderson (Internacional) e Alexandre Pato (Timão) - a lista pode aumentar até 26 de fevereiro, quando a janela de transferências fecha por lá. Antes, deixaram o Brasil Ricardo Goulart, Conca, Montillo, Diego Tardelli, Marcelo Moreno, Barcos... Treinadores, como Felipão, Cuca e Mano Menezes também foram para a Ásia, e até a Segunda Divisão chinesa agora terá Vanderlei Luxemburgo, Luis Fabiano e Jadson. A relação é extensa, tudo à base de milhões de yuans (moeda local) vindos da iniciativa privada e do governo daquela que desde o início da década é a segunda maior economia mundial (confira no fim do texto todos os detalhes dos clubes da Primeira Divisão).
SUPERSALÁRIOS
Assista ao vivo nesta sexta ao programa Central do Mercado especial sobre o mercado chinês, a partir das 18h, com a participação do advogado Marcos Motta no GloboEsporte.com
Traduzir esses números não é uma tarefa fácil, afinal é comum ver valores que atravessam a barreira do bilhão quando falamos de futebol chinês. Por isso, peguemos o exemplo deRenato Augusto, que nesta semana anunciou o acerto com o Beijing Guoan, quarto colocado na Superliga da China em 2015. Ele deixa para trás o atual campeão brasileiro e um dos times mais populares do país, além de se afastar de Dunga e consequentemente se ver mais longe da Seleção. A contrapartida será um salário mensal de R$ 2 milhões. Cabe ao jogador avaliar se o saldo da troca é positivo ou negativo.
– A minha ideia inicial era ficar, tinha proposta muito boa da Alemanha (do Schalke), de três vezes mais do que ganho aqui. Pensei em ficar, o Tite pesou um pouco naquele momento, mas depois chega uma proposta que é irrecusável. Tenho de pensar na minha família, no meu futuro. Sou um cara com histórico grande de lesões. Começa a pensar que tem uma oportunidade ímpar... Conversei com todos, entenderam e foram a favor. Chegou uma hora que não tinha como dizer não – disse Renato Augusto.
Diego Tardelli Shandong Luneng (Foto: Reprodução/Sina.com)Zero arrependimento: Tardelli foi há um ano para o Shandong, mas perdeu espaço na Seleção (Reprodução/Sina.com)

Em 2011, Conca deixou o Fluminense em grande momento da carreira e acertou com o então desconhecido Guangzhou Evergrande para tornar-se o jogador com terceiro maior salário do futebol mundial na época, atrás apenas das estrelas Cristiano Ronaldo e Lionel Messi (R$ 60 milhões por dois anos e meio de contrato). Há um ano, o atacante Diego Tardelli adotou a mesma opção e trocou o Atlético-MG pelo Shandong Luneng. À época era um dos principais atacantes em atividade no futebol brasileiro, só que desde a Copa América não foi mais convocado por Dunga. Ainda assim, ele não se arrepende da escolha.
– A proposta é irrecusável, para mudar a vida financeira de qualquer jogador. No Brasil, é gostoso de jogar, tem torcida, cobrança, mas em salários a China está avançada. O pagamento é feito em dia. Estou com 30 anos. A gente pensa: "Será que aguenta jogar até os 34, 35 anos”.
Decisões como as de Conca, Diego Tardelli, Renato Augusto e outros motivam controvérsias. Há quem ache que jogadores têm mais é que ir atrás de salários estratosféricos, mesmo que para isso caiam no ostracismo; outros avaliam que a mudança para mercados da periferia da bola é um retrocesso na carreira, independentemente dos ganhos que possam ter na conta bancária. Presente em inúmeras transferências do tipo e especialista, o advogado Marcos Motta possui uma opinião bem parecida com a do ex-atacante do Galo.
– Existem jogadores que pensam na técnica. Exemplo: Neymar. Se o clube oferecer dois, três milhões a mais, não vai fazer diferença. O desafio dele atual não é financeiro. Ainda tem mais 12 anos para ganhar dinheiro. Se tiver uma proposta do Manchester United e outra da China pagando o dobro, ele vai para a Inglaterra. É preciso pensar qual é o desafio do Elias e do Renato Augusto. Eles têm um desafio técnico ou financeiro? Tem que ver se essa conta está fechando. No caso do clube brasileiro, se tiver proposta, tem que vender. Só não vende quem não tem proposta. A situação econômica não é boa.


GOVERNO + INICIATIVA PRIVADA
Por trás dos milhões que são apresentados a clubes, jogadores e empresários brasileiros, existe uma ação conjunta entre a iniciativa privada e o poder público. É como se um empurrasse o outro. Todos os times da elite têm um aporte por trás, seja do governo ou de uma empresa particular. A regra vale também para alguns times da segunda divisão, como o Tianjin Quanjian de Vanderlei Luxemburgo, Jadson e Luis Fabiano.
Tabela transferências mais caras China (Foto: GloboEsporte.com)

É o caso do agora poderoso Guangzhou Evergrande, time comandado por Felipão, atual pentacampeão chinês e vencedor da Liga dos Campeões da Ásia em 2013 e 2015. O time dos brasileiros Robinho, Paulinho, Elkeson e Ricardo Goulart só é o que é graças aos milhões de yuans investidos pela construtora Evergrande, do bilionário Xu Jiayin, um dos homens mais ricos da China. Como se não bastasse o dinheiro da empreiteira, no início de 2014 a gigante de vendas online Alibaba pagou US$ 192 milhões (R$ 771,5 nos valores atuais) por 50% das ações do Guangzhou, enriquecendo ainda mais o pentacampeão chinês.
– O governo e as empresas viram lá uma oportunidade, e o entretenimento é uma opção para ambos os setores. Existem dois modelos na China: tem o clube que é patrocinado pelo governo e aquele que são empresas, como o Guangzhou Evergrande, a maior empresa de construção na China. Quando fechei o Conca (com o Guangzhou, em 2011), eles me mandaram um livro. Eles não constroem prédios, constroem cidades. Então, o futebol é um veículo para que se atenda tanto o investimento privado quanto o entretenimento de massa – explicou Marcos Motta.
Felipão Scolari campeão Guangzhou Evergrande x Al Ahli (Foto: Divulgação)Guangzhou é penta chinês e venceu a última Champions da Ásia: dinheiro vem de construtora local (Foto: Divulgação)
Nem todos observam esses investimentos privados com os mesmos olhos. O técnico brasileiro Sérgio Farias começou a trabalhar na Ásia. Lá, ganhou visibilidade ao levar o Pohang Steelers, da Coreia do Sul, à conquista da Liga dos Campeões e, assim, ter participado do Mundial de Clubes de 2009. Entre 2011 e 2012, esteve na China para comandar o Guangzhou R&F, espécie de primo mais humilde do Evergrande, mas que de pobre não tem nada. Sergio tem uma visão mais crítica das coisas.
Foi disparado o lugar mais difícil de trabalhar, mas onde mais ganhei dinheiro
Sérgio Farias (técnico)
 – O meu clube construía hotéis e alugava para as grandes companhias, que entravam com as bandeiras. Era algo justificável. Mesmo assim, não é nem metade do que o Evergrande, que constrói casas populares, investia. A origem desse dinheiro é muito complexa. A natureza do chinês é a seguinte: de alguma maneira você sabe que ele quer levar alguma vantagem. Não investe só porque o presidente do país gosta. No meu clube, o presidente trabalhava no governo em um cargo que não era expressivo e em cinco anos ficou milionário. Nada é à toa. Dentro da China, tem muita coisa. Ao mesmo tempo que são ricos, são desorganizados. Foi disparado o lugar mais difícil de trabalhar, mas onde mais ganhei dinheiro – disse o treinador, que esteve na Tailândia no ano passado e deve se mudar para o Oriente Médio em 2016.
PRESIDENTE FANÁTICO E INCENTIVOS FISCAIS
A gama de investidores na China é variada e vai além de construtoras. O Shandong Luneng, de Diego Tardelli, chegou ao terceiro lugar sob o comando de Cuca no último Chinês, com uma equipe  que tinha ainda Montillo, Júnior Urso, Jucilei e Aloísio (artilheiro da competição). Em 2016, Mano Menezes assumirá o lugar do compatriota no comando. Para contar com tantos nomes de peso, o clube se mantém com investimento público que vem de uma companhia elétrica estatal, uma subsidiária da State Grid Corporation of China. Em 2011, o Shandong foi o primeiro clube a despertar a atenção do mercado brasileiro ao contratar Obina, que estava no Atlético-MG. Recentemente, a equipe teve ainda Vagner Love em seu elenco.
– Cada clube é dono de alguma coisa. No nosso é uma empresa de energia com quase dois milhões de funcionários. Nosso contato com o presidente é pouco. Só tive quando assinei contrato e no último jogo do ano. São vários que comandam – disse Diego Tardelli.
Xi Jinping, David Cameron, Patrick Vieira e Khaldoon Al Mubarak (Foto: Getty Images)Jinping (segundo à direita) com David Cameron, Vieira e Al Mubarak: presidente chinês é fã de futebol (Foto: Getty Images)
A coisa alavancou de vez em março de 2013, quando Xi Jinping se tornou presidente da China. Fã do velho esporte bretão, ele definiu três metas para o futebol chinês: disputar uma Copa, sediar o torneio e conquistar o título mundial. Para isso, decidiu que o esporte se tornaria disciplina obrigatória nas grades curriculares do país.
– O atual presidente da China gosta de futebol. Começou na cidade dele e contaminou o restante do país, mais num sentido de fazer média com ele do que no investimento do futebol. Ele começou a estimular a contratação de bons jogadores e hoje as escolas colocaram o futebol na grade de ensino. Tudo isso em virtude do presidente. No sentido de investimentos, algumas cidades têm benefícios fiscais. A tendência é ter um boom como no Japão. Agora, onde vão parar os investimentos, no futuro vamos saber – disse Sérgio Farias.
Torcida Guangzhou Evergrande x Barcelona  (Foto: EFE)Projeto de presidente é transformar a China campeã mundial, além de levar a Copa para o país (Foto: EFE)
Entre outras medidas, criou incentivos fiscais para acelerar esse processo. O jornalista chinês Ji Ye, da agência Xinhua News, explica que companhias identificadas pelo governo que invistam no esporte de alto rendimento poderão ter descontos de 15% a 25% no imposto de renda. Outras que promovam esporte e cultura poderão ter descontos de até 3%. 
– Em termos de investimento público, o governo chinês não coloca dinheiro  diretamente na Superliga Chinesa. Mas o governo não está poupando esforços para tornar o sistema e a política convenientes para o desenvolvimento do futebol chinês. O futebol chinês, a Superliga em particular, tem absorvido grande investimento desde outubro de 2014, quando o Conselho de Estado anunciou uma diretriz, batizada como Opiniões para Aceleração do Desenvolvimento da Indústria do Esporte e Promoção do Consumo do Esporte – disse Ji Ye.
INDONÉSIO FAZ A PONTE
Nas negociações entre Brasil e China, há um indonésio. O empresário Joseph Lee, dono da Kirin Soccer, mora no Brasil há 35 anos, é torcedor do São Paulo e se tornou uma das principais pontes para as transferências que têm deixado os clubes daqui mais ricos (e também mais carentes de talentos). Com bom trânsito entre os mecenas chineses, é um nome conhecido para parte considerável dos brasileiros que foram para o Oriente.
Joseph Lee empresário indonésio (Foto: Divulgação)Joseph Lee, empresário indonésio que faz a ponte entre Brasil e China (Foto: Divulgação)
– A cultura aqui é mais aberta do que na Ásia, muito mais rígida. A China se fortaleceu economicamente e tem a maior população do mundo. Entre 20% e 30% dos chineses gostam de futebol. Se fizermos essas pessoas irem para o campo, teremos a maior torcida do mundo – disse, em entrevista recente à revista “Isto É”, o empresário, que já teve um restaurante e uma loja de carro antes de entrar no mundo do futebol.
Marcos Motta trabalhou em negociações com Joseph Lee ao longo dos últimos anos e vê a importância do empresário para aproximar os dois mercados.
– Com uma cultura diferente como é a chinesa, então é importante entender esse mercado. Ele tropicalizou essa cultura chinesa, o que é bom para todos os lados. Ele ganhou a confiança do mercado e traduziu a cultura brasileira para o mercado chinês. Imagina um diretor chinês ligando para um clube brasileiro, como o Corinthians, ou para um empresário. Muitos nem falam inglês. Alguns são diretores de empresas que não são do futebol e não conhecem os caminhos do meio. 
Os investimentos já estão trazendo retornos diretos. Por exemplo, em setembro passado, a Ti'ao Power venceu a disputa pelos direitos de transmissão dos jogos da Superliga Chinesa das próximas cinco temporadas ao preço de 8 bilhões de yuans (cerca de 1,25 bilhão de dólares). Em 2013, o mesmo contrato custou 370 milhões de yuans (cerca de 60 milhões de dólares). Todos os times da primeira divisão se beneficiam com tamanho investimento. Um avanço, é verdade, porém será preciso um pouco mais até chegar ao projeto de Xi Jinping de conquistar o mundo.
QUEM É QUEM NA SUPERLIGA CHINESA

Info Futebol Chinês 1 (Foto: Infoesporte)
Info Futebol Chinês 2 (Foto: Infoesporte)FONTE: GLOBO