Em seu terceiro e talvez último ano, Guardiola parece finalmente ter doutrinado
os bávaros, que têm em Douglas Costa a peça que faltou nos fracassos recentes
Soa justo dizer que Neymar fincou os pés na calçada da fama do Camp Nou. O gol que fechou a vitória sobre o Villarreal é absolutamente fantástico, da estirpe de todos os gênios brasileiros que já pisaram neste gramado.
Dito isso, não há ninguém no mundo neste momento tão em forma quanto o camisa 11 doBarcelona (lembra da melhor banda de todos os tempos da última semana?). Muito próximo dele está Luis Suárez, igualmente craque e seu parceiro inseparável nas incasáveis comemorações desde a lesão de Lionel Messi. O Barça, definitivamente, tem o poder das individualidades em um time que vai chegar longe de novo. Mas não é o Bayern.
Suárez abraça Neymar na comemoração do golaço do brasileiro sobre o Villarreal (Foto: EFE)
O Bayern de Pep Guardiola é o time a ser batido – e temido – na temporada europeia. Até agora, após 19 jogos, apenas o Arsenal conseguiu vencê-lo (o Wolfsburg ganhou a Supercopa nos pênaltis), numa noite em que Petr Cech foi talvez o grande destaque. O troco veio na volta, em Munique: um 5 a 1 daqueles que separa adultos e crianças (veja abaixo).
Em seu terceiro e talvez último ano, o técnico catalão parece finalmente ter doutrinado os bávaros. O começo foi turbulento, com vitórias morosas, difíceis de agradar ao nível de exigência local (dirigentes, imprensa e torcida), e uma eliminação pesada na Liga dos Campeões (5 a 0 no agregado para o Real Madrid). Na segunda temporada, alguma instabilidade fora de casa e a falta de jogadores no momento crucial (pesou demais reencontrar o Barcelona na semifinal sem Robben, Ribéry e Alaba).
Nada disso faz parte do cotidiano deste Bayern, moldado pacientemente em torno de uma estrutura dominadora - vide os índices de posse de bola -, mas também agressiva. O objetivo é atacar, sempre. Um passe desnecessário para trás já é capaz de deixar Pep irritado (Vidal acabou descobrindo isso na prática).
A propósito, um parênteses: recomendo a leitura de “Guardiola Confidencial”, obra de Martí Perarnau que destrincha detalhadamente a primeira temporada de Pep na Alemanha. Nela, em poucos capítulos já é possível saber que o treinador abomina a expressão “tiki-taka”. Ele diz que o seu Barcelona nunca jogou de tal maneira:
“Eu odeio isso de passar por passar, tudo isso de tiki-taka. É muito lixo e não tem propósito. Você tem de passar a bola com uma intenção clara, com o objetivo de chamar ao gol adversário. Não é questão de apenas passar por passar. Sejam vocês mesmos. Vocês precisam explorar seu próprio DNA. Não acreditem no que as pessoas dizem. O Barça não fazia tiki-taka! É completamente inventado”, avisou a seus atletas.
Bayern venceu todos os nove jogos na temporada em casa, com 38 gols marcados (média de 4,2) (Foto: Getty Images)
Guardiola disse há poucos dias que este é o seu melhor Bayern. Não esconde a satisfação nem diante da imprensa. “As pessoas querem ver um futebol ofensivo, com os 10 jogadores atacando e precisamos de algum tempo para isso. (…) Nós nos conhecemos muito melhor agora, sabemos o que queremos. As pessoas talvez pensem que eu cheguei ao Bayern já conhecendo os jogadores, mas não é assim”.
Pep conhecia apenas Thiago Alcântara, tanto que o ex-meio-campista do Barcelona foi o único pedido de contratação à diretoria em 2013. Lesões graves no joelho o impediram de ter uma grande sequência na equipe, mas o hispânico-brasileiro já se firmou como a cabeça pensante de Pep em campo ao lado de Philipp Lahm.
Que atire a primeira pedra aquele que não se espantou com os € 30 milhões investidos pelo Bayern no último mercado de transferências. Guardiola estava certo mais uma vez: encontrou um ponta ideal para eventualmente substituir Robben e Ribéry, volta e meia lidando com problemas físicos. O brasileiro encaixou-se perfeitamente no time – não à toa soma quatro gols e 14 assistências em 18 partidas. É quem puxa a maioria dos contra-ataques, seja pela direita ou esquerda. Tornou-se titular com méritos.
Douglas Costa e Robben comemoram mais um gol do Bayern... (Foto: AP)
Contra o Stuttgart, sábado passado, ele liderou os 45 minutos mais impressionantes da temporada. O Bayern fez 4 a 0 com a maior naturalidade do mundo e finalizou 23 vezes (uma a cada dois minutos) – os visitantes, que têm a segunda melhor média na Bundesliga (16,6 por jogo), chutaram só três vezes. Douglas marcou um gol, deu assistência para outro e virou o favorito de alguns especialistas a levar o prêmio de melhor jogador do campeonato se mantiver o ritmo (você também se pergunta por que não rende o mesmo na Seleção?).
A busca pela perfeição passa por evitar contra-ataques, o que matou o Bayern diante de Real e Barcelona e quase os complicou contra o Porto na Champions passada. A solução é cada vez mais ser dono da bola – Guardiola é obcecado com esta vertente do jogo e sonha com os 100% de posse.
Ao fim dos treinos, Pep costuma ter conversas longas com jogadores específicos para instruí-los a não entregar a pelota facilmente. “Eu tenho muito respeito pelos meus jogadores e quando eles decidiram se tornar futebolistas, eles queriam jogar com a bola. Não é apenas sobre correr. É tudo uma questão de ter a bola, jogar com ela. Se temos a bola, você tem mais possibilidades de criar algo e conceder menos chances”.
Guardiola não admite a expressão "tiki-taka" e sonha com 100% da posse de bola (Foto: Getty Images)
Foi o que aconteceu em todos os jogos em casa na temporada. Nem o Borussia Dortmund de Tuchel fez frente: foi impiedosamente goleado por 5 a 1. O Bayern ganhou todos os nove, marcou 38 gols (pelo menos quatro em cada uma das últimas seis partidas) e não repetiu uma vez sequer a escalação - prova do elenco polpudo que tem à disposição, mesmo com Götze, Ribéry e Bernat entregues ao Departamento Médico.
Fora Douglas, a adição do francês Coman previne algum tipo de “cobertor curto”. Vidal e Kimmich deram consistência ao meio-campo depois da saída de Schweinsteiger, enquanto Alaba transformou-se num excelente polivalente.
As opções que sobram no Bayern faltam ao Barça, em especial por conta da punição imposta pela Fifa até 1º de janeiro. Por outro lado, ninguém deve ter vergonha em afirmar que Luis Enrique depende de Neymar e Suárez para vencer – tratam-se de dois extraterrestres na condição atual, com dez gols cada nas dez partidas sem Messi (todo o restante do time fez apenas três) e nove assistências (contra sete dos companheiros).
Neymar e Suárez fazem quase tudo porque atingiram status de donos do time. Mas, somados, ainda não dão um Bayern de Guardiola - talvez nem com o reforço de certo argentino...
fonte: globo