Volante morre, goleiro luta pela vida e meia se recupera dos sintomas: são todos brasileiros que jogam por Guiné Equatorial e contraíram malária
Por Alexandre Alliatti e Márcio Iannacca
Rio de Janeiro
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Quatro jogadores brasileiros começaram, com a camisa de Guiné Equatorial, o jogo contra a Tunísia, em 16 de junho, em Malabo, pelas eliminatórias africanas para a Copa do Mundo de 2014. Passado menos de um mês, o volante Claudiney Rincón está morto, o goleiro Danilo luta pela vida em um hospital, o meia Diouzer espera receber alta nesta quarta-feira e o atacante Jonatas Obina passa por exames, como precaução. Os três primeiros foram vitimados pela malária, em uma onda que espalhou luto, dor e susto na legião verde-amarela que lutava pelo sonho de disputar um Mundial em casa - mesmo que por outro país.
O quarteto e outros dois reservas, o meia Judson e o atacante Ricardinho, ajudaram Guiné Equatorial a empatar com a Tunísia por 1 a 1 naquele domingo na capital do pequeno país que defendem - ainda havia esperança de classificação, hoje encerrada. São todos naturalizados. Antes, dia 8, eles haviam perdido por 2 a 1 para Cabo Verde. Parecia mais uma viagem para eles, mais um episódio da dura batalha por uma improvável vaga na Copa. Não era. Eles não sabiam, mas ali começavam a viver um pesadelo.
O passeio
O tempo livre costuma ser escasso para os jogadores da seleção de Guiné Equatorial. Na correria das eliminatórias, os atletas ficam basicamente restritos a treinos, repouso no hotel e deslocamentos. Desta vez, porém, sobraram algumas horas. E os brasileiros decidiram passear por Malabo.
Foram ao centro da cidade. Queriam comprar roupas, eletrônicos - presentes para familiares ou para eles próprios. Também passaram por um supermercado. Estavam todos os brasileiros da seleção juntos - unidos pelo idioma. E foi aí, possivelmente, que o destino deles mudou.
A malária é transmitida por um mosquito do gênero anopheles - muito frequente em países tropicais. Por vezes, leva bastante tempo, até duas semanas, para escancarar seus sintomas. Começa com um desconforto: dor de cabeça, náusea, calafrios, dores pelo corpo. Depois, progride para febre alta, muito suor, até convulsões. O esporozoíto, célula causadora da malária, se aloja no fígado e depois se espalha pela corrente sanguínea. Atinge o sistema imunológica. Pode matar.
E matou. Na madrugada da última segunda-feira, encerrou, na precocidade dos 33 anos, a vida do volante Claudiney Ramos, apelidado de Rincón, um dos líderes da seleção de Guiné Equatorial. O último clube do atleta paranaense foi o Avenida, do Rio Grande do Sul. Também defendeu Ceilândia, Santo André, Paulista de Jundiaí, Guarani, São Bernardo, ASA, Macaé, Itabiaiana e São Bento. Morava em Sorocaba.
Foi um abalo para os jogadores brasileiros de Guiné Equatorial. E por mais de um motivo: primeiro, pela dor que a perda de um colega causa; segundo, pela preocupação gerada com o aviso da gravidade da malária. Diouzer, internado em Maceió, teve que lidar com o sentimento duplo.
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- Foi um susto muito grande. A gente fica muito assustado. Perdemos um companheiro de trabalho. Ele era um cara alegre, que estava sempre sorrindo, de bem com a vida, sempre feliz. Nada o deixava de baixo astral. Era amigo, muito companheiro, até por ser mais experiente. Fico muito triste - lamentou, por telefone, o meio-campista.
Diouzer está bem. Espera receber alta nesta quarta-feira. Em uma semana, segundo os médicos, poderá voltar a jogar futebol. Precisará decidir seu futuro. Está sem clube. A última camisa que vestiu foi a do Águia Negra, do Mato Grosso do Sul. É gaúcho. Tem 26 anos. E acredita que foi o passeio em grupo que causou tanta dor à colônia brasileira de Guiné Equatorial.
- Foi lá mesmo. Lá a malária é tipo a dengue para nós. É pelo mosquito. A gente joga, treina e fica em hotel quando está lá. Desta vez, a gente teve uma folga, foi em supermercado, andou pelo centro para comprar roupas, celulares. Pode ter sido num desses passeios que aconteceu de ter transmitido. Uns dez dias depois de a gente chegar ao Brasil, passei a ter dor de cabeça, febre, dor no corpo, vomitar. A gente chegou dia 19. Dia 29, comecei a sentir uns sintomas diferentes. Tive uma melhora e depois tive febre de novo. Aí falaram que era suspeita de malária. Fiz exames, e era mesmo.
O goleiro Danilo, 31 anos, teve quadro mais grave. Foi internado na quarta-feira na UTI do Hospital Giselda Trigueiro, em Natal, onde defende o Alecrim. Chegou a ter uma convulsão. Foi tratado com sedativos. Passou por diálise. Respira com ajuda de aparelhos. Mas seu quadro é estável. Nesta quarta-feira, se tudo der certo, talvez passe a respirar de forma normal. Mesmo assim, seguirá sob extremo cuidado.
O alerta
Acho que fomos mordidos pelo mosquito em um passeio que fizemos pelo centro da cidade"
Jonatas Obina, atacante de Guiné Equatorial
A morte de Rincón, a situação preocupante de Danilo e a recuperação de Diouzer ligaram um alerta na delegação de Guiné Equatorial. Os demais brasileiros da equipe foram prontamente orientados a fazer exames. Mas o caso parece mesmo restrito ao trio.
Jonatas Obina, jogador do Caldense, ex-atleta do Atlético-MG, foi correndo procurar atendimento. Ele não tem sintomas de malária.
- Três contraíram e outros três não apresentaram nada. Todos fizeram os exames, e não foi constatado nada. Acho que fomos mordidos pelo mosquito em um passeio que fizemos pelo centro da cidade, por um mercado local, ou na partida que disputamos em Cabo Verde. É uma pena que um dos meus companheiros tenha morrido. Fico triste por essa situação. Graças a Deus, os outros dois estão respondendo bem aos medicamentos - comentou o atacante.
A seleção de Guiné Equatorial tem pouca identidade nacional. É recheada de jogadores estrangeiros. Há muito espanhóis, também colombianos. Os brasileiros costumam chegar lá por meio de contatos com treinadores. Diouzer, por exemplo, foi comandado pelo brasileiro Antônio Dumas no Avenir Sportif, da Tunísia. Como o técnico já havia passado pela seleção de Guiné Equatorial, ficou aberto o caminho para o convite, que também envolve uma compensação financeira. Com Jonatas Obina, foi investigada a árvore genealógica do atleta até se chegar a um parentesco que leve a Guiné Equatorial.
A legião verde-amarela no país não fica restrita a jogadores. Gilson Paulo foi outro brasileiro a treinar a equipe nacional - de janeiro a dezembro de 2012. Trabalhou apenas com o goleiro Danilo. Dos outros brasucas que atualmente defendem a seleção local, sabe muito pouco. De passagem por Guiné Equatorial para resolver pendências deixadas no ano passado, o treinador afirmou que todo cuidado é pouco para evitar a mordida do mosquito transmissor da malária.
- Quando cheguei ao país, eu sabia da doença. Tomei todos os cuidados necessários para evitar o problema. Graças a Deus, no ano que passei em Guiné Equatorial, não sofri com a doença. Mas é comum aqui – afirmou o técnico, que atualmente está desempregado e à espera de um convite do exterior.
Mais problemas
No último dia 18, a Fifa emitiu um comunicado informando que investiga irregularidades nas condições de jogo de um jogador do país africano - o nome não é revelado. O texto cita o artigo oito do regulamento da Copa do Mundo de 2014, que fala sobre respeitar a nacionalidade dos atletas. A federação deve sofrer punições pela naturalização sem vínculo efetivo com Guiné Equatorial.
Em meio à preocupação com a bronca da Fifa, a morte de Rincón foi um golpe muito duro. Dirigentes de Guiné ligaram assustados para o Brasil. Conversaram com Altair Machado, empresário de Diouzer e Jonatas Obina, para tentar entender o que estava acontecendo.
- Eles estão preocupados. Fizeram uma reunião de emergência, até. Eles pretendem vir ao Brasil para ver a situação de perto. Querem inclusive pagar os custos do velório do Rincón - comentou Machado.
Guiné Equatorial é a lanterna do Grupo B da segunda fase das eliminatórias africanas para a Copa. Está eliminada, com cinco pontos. Apenas o campeão de cada uma das dez chaves avança para a etapa final, onde ocorrerão cinco confrontos que definirão os classificados ao Mundial. Em 6 de setembro, abalada pela perda de Rincón, a seleção recheada de brasileiros fará sua despedida da disputa. Enfrentará Serra Leoa fora de casa.
FONTE: GLOBO