Cortês, Maycon e Willian, jogadores do Nova Iguaçu, vivem realidade oposta à do astro rubro-negro. Duelo será nesta quarta-feira, no Engenhão
Dia de treino no Ninho do Urubu, em Vargem Grande. Os carros e caminhonetes importados se amontoam no estacionamento. De um deles, blindado, desce Ronaldinho. Outro veículo recheado de seguranças faz a escolta. Vida de astro é assim.
Dia de treino no Nova Iguaçu, adversário da estreia do craque nesta quarta-feira, no Engenhão. Carro é artigo raro para os atletas. Dá para contar em uma das mãos quem tem o artigo de luxo. A folha do time da Baixada Fluminense beira os R$ 50 mil. Ou seja: o milhão de reais, valor fixo que Ronaldinho receberá mensalmente no Rubro-Negro, garantiria um ano e oito meses de salários no adversário.
Depois de uma manhã de atividade debaixo de sol forte, os jogadores têm direito a almoço no refeitório do organizado clube. Só são liberados depois da oração de agradecimento. A média de idade de 22,5 anos e as vagas desocupadas no estacionamento confirmam que muitos ainda iniciam a carreira e armazenam sonhos.
O lateral-esquerdo Cortês e os atacantes Maycon e William Barbio estão nesta lista. O trio recorre ao transporte público para se locomover até os treinos. Seja no banco do ônibus ou em um vagão de um trem, eles dimensionam o quanto será importante esse encontro com Ronaldinho nesta quarta, às 22h (de Brasília).
- O que ele recebe em um mês banca toda a nossa folha num ano. Enquanto eu venho para os treinos de trem, ele chega de carreta (gíria para carro de luxo). Mas conta bancária não entra em campo. Nesse jogo vou olhar para o gol do Flamengo e imaginar o meu prato de comida, meu ganha-pão. Uma boa partida pode garantir um contrato legal para cada jogador do Nova Iguaçu. Se eu conseguir vou realizar o sonho dos meus pais que perderam quase tudo na enchente que teve na minha cidade (São Fidélis, no Norte do Rio) em setembro – disse o Maycon, que marcou três gols na Taça Guanabara, um deles na vitória por 3 a 2 sobre o Vasco.
William Barbio paga passagem no ônibus (Foto: Eduardo Peixoto / Globoesporte.com)
O cabeludo Cortês, de 23 anos, teve rápida passagem pelo Qatar. Mas as memórias mais marcantes são da Terceira Divisão do Campeonato Carioca. Estágio que o faz sentir prazer no duelo contra o Flamengo.
- Na Terceirinha não tem jogo. É só pancadaria. Já apanhei muito quando estava no Castelo Branco. Depois, joguei no Quissamã e fui eleito o melhor lateral-esquerdo da Série B. Jogar na Primeira é luxo – contou, bem-humorado.
William Barbio é o novato da turma. Ele tinha apenas dez anos quando Ronaldinho ajudou a Seleção Brasileira a conquistar a Copa do Mundo, em 2002.
Aos 18, encara o trajeto entre Berford Roxo e o CT de ônibus. Mas já foi pior.
- Por dois anos eu ia para os treinos de bicicleta, até para economizar. Pedalava, pedalava e chegava em uns 20 minutos. Até que não me cansava - garantiu.
Principal promessa das divisões de base do clube, ele sentiu como o futebol é transformador. Os primeiros efeitos da fama vieram depois de ser o herói do Nova Iguaçu na vitória por 3 a 2 sobre o Vasco.
- Domingo estava de folga e fui à piscina do clube Heliópolis. Quando cheguei lá, o cara anunciou meu nome no microfone. Todo mundo me olhou, alguns pediram para tirar foto. Fiquei só no cantinho, bebendo água. Aquele gol contra o Vasco já mudou muita coisa para mim e para minha família. Imagina se eu fizer um no Flamengo? Meu Deus... – disse.
Mas, diante de tantos desejos e sonhos, o técnico do time da Baixada, Josué Teixeira, previne-se e trabalha o lado emocional dos jogadores.
- É um momento único para o clube. Mas não podemos ficar muito ligados nessas coisas senão a ansiedade toma conta e esquecemos o que mais sabemos fazer. Temos que respeitar o Ronaldinho. Sem botinada, sem empurrão. O principal respeito que podemos demonstrar é jogar futebol – declarou o treinador.
Orgulho da Baixada
Por trás de um grupo em busca de um impulso para bons contratos há um clube bem estruturado. O slogan pendurado em uma das paredes do Centro de Treinamento do Nova Iguaçu diz: “Aqui o fruto se tira da terra”. Duas dessas crias, aliás, são bem conhecidas dos rubro-negros. O volante Aírton, figura importante no título brasileiro de 2009 e negociado com o Benfica, e o atacante Deivid.
O presidente Jânio Moraes é zeloso e exibe, orgulhoso, o CT de 145 mil metros quadrados.
- Gostou das instalações?
Diante da resposta positiva do visitante, o dirigente destaca que o time laranja não é “clube de empresário”, mas sim o principal representante de uma importante cidade da Baixada Fluminense, com cerca de 800 mil habitantes.
Mas, nesta quarta-feira, grande parte da cidade que dá nome ao Nova Iguaçu vai torcer pelo inimigo . No calçadão do Centro, enquanto Maycon e Cortês seguem quase anônimos pela estação de trem, as camisas do Flamengo com o nome de Ronaldinho às costas se multiplicam. Vida de astro é assim.FONTE: GLOBO