Da falta de renovação ao isolamento do ambiente do Mundial, de negociações à repetição tática, Fúria não consegue se reinventar e vive fiasco no Brasil
Por Alexandre Alliatti e Sergio Gandolphi
Curitiba
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Não existe uma razão suficientemente forte para explicar sozinha por que uma seleção como a Espanha, tão boa, tão vencedora, fracassou na Copa do Mundo. Não é que ela simplesmente tenha perdido: ela foi humilhada pela Holanda, depois batida com evidente superioridade pelo Chile e, como consequência, alijada da chance de classificação já na segunda rodada da fase de grupos – algo que jamais acontecera com uma campeã mundial no torneio posterior à conquista. De tão impactante, o fracasso pode ser entendido quando analisados alguns pontos em conjunto. E isso levando-se em conta a ressalva de que o futebol tem evidente atração pelo imponderável...
Iniesta e Casillas deixam gramado do Maracanã abatidos após eliminação (Foto: Getty Images)
A questão é que a Espanha não conseguiu harmonizar formação de elenco, filosofia de jogo e ambiente. Abaixo, listamos algumas questões que podem ajudar a montar o mosaico do fiasco espanhol.
ESTILO ESTÁTICO
Espanha não evoluiu em sua forma de jogo
(Foto: André Durão / Globoesporte.com)
A Espanha cumpriu seu papel ao estabelecer as bases de um modo de se jogar futebol na passagem da última década. Sob influência da movimentação holandesa e até com alguns elementos do talento brasileiro, tão presente no país ibérico, ela aprimorou à perfeição a ideia de que se deve ganhar um jogo tendo a bola quase o tempo todo sob seu controle. Soa lógico, mas a execução é complicada. E a Fúria conseguiu. Com jogadores baixos, ágeis e habilidosos, formou um time capaz de se locomover sem parar, de errar poucos passes e de avançar e recuar em bloco. Ganhou duas Euros e a Copa de 2010 assim. Mas a magia durou seis anos. A forma de jogo, o chamado tik-taka, atingiu seu teto. Vicente del Bosque não conseguiu reinventar o estilo de jogo da Roja. Manjada pelos adversários, ela passou a ser marcada. Ficou sem soluções. Tentar dar ao time um jogador mais de área, mais finalizador, não foi suficiente para inovar – até porque Diego Costa naufragou na Copa.
FALTA DE RENOVAÇÃO NAS PEÇAS
Elenco manteve aposta em veteranos como Xavi (Foto: Globo Esporte)
A Espanha repetiu, em 2014, 17 dos 23 jogadores campeões mundiais em 2010. É muita gente para um ciclo de quatro anos. Mas compreende-se: está em questão a geração mais vencedora da história de um país que, na prática, não estava acostumado a vencer. De qualquer forma, houve evidente insistência, por gratidão, em jogadores que viviam momento descendente. Isso explica, por exemplo, a presença de David Villa no elenco – para ser reserva do reserva. Ou de Xavi, em temporada irregular no Barcelona, como titular no primeiro jogo. Ou ainda a manutenção de Xabi Alonso nas duas partidas. Del Bosque argumentou que apostou nos jogadores pelo que eles poderiam fazer, não pelo que eles fizeram, mas ficou evidente que faltou renovação. Morreram todos abraçados.
DESGASTE FÍSICO
Jogadores como Piqué demonstraram desgaste (Foto: Agência AFP )
Os clubes espanhóis são a base da seleção, claro. E eles viveram uma temporada especialmente desgastante. A final da Liga dos Campeões exemplifica a questão: teve dois clubes do país na decisão, o Real Madrid e o Atlético de Madri – o Bayern de Munique, tão influente na seleção alemã, por exemplo, caiu quase dois meses antes da final, nas quartas. Além disso, não se trata de uma seleção exatamente jovem. A média de idade é de quase 28 anos. Para piorar, parte do elenco viveu lesões recentes – casos de Piqué, Diego Costa e Juanfran. O segundo tempo do jogo contra a Holanda foi emblemático: a Espanha foi engolida em campo e levou quatro gols em 45 minutos.
NEGOCIAÇÕES DURANTE A COPA
Fàbregas no Chelsea (Foto: Reprodução)
Parte do elenco espanhol dividiu atenções entre a Copa do Mundo e seu futuro profissional nos clubes. Foram recorrentes notícias de negociações envolvendo atletas da Fúria enquanto eles se preparavam com a seleção nacional. A questão chegou a ser abordada em entrevistas coletivas, e os atletas, claro, afirmaram que isso em nada influenciava a Espanha na Copa. De qualquer forma, jogadores como David Villa, Fàbregas, Diego Costa e Xavi não estiveram com a cabeça apenas no Mundial.
SEM CLIMA DE COPA
De todas as seleções, talvez a Espanha tenha sido a mais reclusa da Copa. Ela escolheu Curitiba, que se mostrou uma das sedes menos vibrantes do Mundial, e ainda se isolou em um CT afastado da cidade, à beira de uma rodovia, de onde não arredou pé. Não sentiu o clima do torneio – e quando sentiu, foi contra, com a enorme onda de vaias nos jogos contra Holanda e Chile. Além disso, abusou da mudança de temperatura no último mês: frio na Espanha, calor em Washington, frio em Curitiba, calor em Salvador e no Rio de Janeiro.
Espanha isolou-se no CT do Caju, em Curitiba (Foto: AFP)FONTE: GLOBO