Com investimentos que chegam a R$ 585 milhões somente na última temporada, árabe torna ‘primo pobre’ de Manchester fenômeno mundial
Por Cahê Mota
Especial para o GLOBOESPORTE.COM em Londres, Inglaterra
Há quem diga que dinheiro não é garantia de felicidade, mas certamente essa máxima não cola na parte azul de Manchester. Muito menos nos Emirados Árabes Unidos, terra do sheik Mansour bin Zayed bin Sultan Al Nahyan. Nome grande como a fortuna do homem que foi capaz de fazer do City, um mediano e tradicional clube da Inglaterra, a maior potencia financeira do futebol e no melhor time da liga mais disputada do mundo em apenas três anos. Tal façanha fez até com que seu título de soberania fosse mudado pelos fanáticos citizens:
- Nós o amamos. O Sheik é o nosso Deus – disse Peter Payton, curvando o corpo para frente em sinal de reverência para dando o tom da transformação causada pelas milhões de libras do árabe no clube.
Líder do Campeonato Inglês, com 48 pontos, após 20 rodadas, o Manchester City caminha para quebrar um tabu de 44 anos sem conquistar um troféu que levantou apenas duas vezes (37 e 68). Junte isso ao fato do principal rival, o United, ser disparado a maior potencia inglesa dos últimos anos – com 19 títulos nacionais – e terá a exata noção da revolução promovida pelo “Deus” vindo do Oriente Médio na vida dos torcedores azuis.
- Ele é muito bom para nós. Acabou com nosso sofrimento de alguns anos. Nos deu maiores possibilidades, faz muito por nós, é muito importante – declarou o citizen Philip Walsh antes do clássico contra o United, em casa, pela Copa da Inglaterra.
A partida, por sinal, mostrou o quanto o cenário futebolístico em Manchester mudou nos últimos anos. Apesar da vitória, o que se viu em campo e até mesmo nas arquibancadas foi um United respeitoso diante do crescimento rival – também ainda atordoado após a derrota em Old Trafford, por 6 a 1, em outubro. Com a bola rolando, o imponente durante quase todo o tempo foi o City, aplaudido de pé por sua torcida ainda com bola rolando pela postura agressiva e pelo sufoco imposto no revés por 3 a 2, após sofrer 3 a 0 no primeiro tempo, mesmo com um jogador a menos.
Robinho: o primeiro investimento milionário
Toda essa história começou a mudar em agosto de 2008, quando, após curto período sob o comando de um milionário tailandês, o clube se tornou a principal diversão de Mansour Al Nahyan.E o primeiro capítulo desta relação teve participação brasileira. Com pouco tempo para agir no mercado antes do fim da janela de transferências, o Sheik mostrou que não estava para brincadeira e pagou a bagatela de 32,5 milhões de libras (equivalente a cerca de R$ 98 milhões atualmente) para bater de surpresa a concorrência do Chelsea e tirar Robinho do Real Madrid. Impactante, mas ainda incapaz de permitir ao clube voos mais alto.
Graduado em ciências políticas nos EUA e bem sucedido no esporte em aventuras com corridas de cavalo e automobilismo no Oriente Médio, Mansour decidiu que definitivamente não entraria no futebol para ser mais um. No ano seguinte, assédios a Ronaldinho Gaúcho e Kaká chamaram os holofotes, mas resultaram apenas nas chegadas de nomes como Tevez, Adebayor e Kolo Touré. Entretanto, foi a partir da temporada 2010/2011 que seus milhões chocaram o mundo do futebol e levaram os primeiros sorrisos aos torcedores do City..
Ao todo, de acordo com jornalistas ingleses, 195 milhões de libras (R$ 585 milhões) foram desembolsados na contratação de reforços. Yaya Touré (vindo do Barcelona), David Silva (Valencia), Boateng (Hamburgo), Kolarov (Lazio), Balotelli (Inter de Milão) e Dzeko (Wolfsburg) foram alguns dos escolhidos para serem comandados pelo italiano Roberto Mancini. A estratégia, enfim, deu certo e a equipe conquistou um título depois de 35 anos: a Copa da Inglaterra, sobre o Stoke City, em Wembley, com direito a vitória sobre o United na semifinal.
Em ambas as partidas, os gols decisivos foram marcados por Yaya, mas nos arredores do Etihad Stadium – novo nome do City of Manchester, mudado exatamente por seu dono – é o Sheik quem gera reações entusiasmadas, como a dos irmãos Broadway.
- O Sheik é fantástico. Sheik, você é o cara! Absolutamente fantástico! – exclamou Anthony.
- Qual clube na nossa situação não gostaria dele? Todos os torcedores, seja de qual time for, iriam gostar se ele fizesse o que fez pelo City – completou Chistopher.
Liderança e goleada sobre rival confirmam revolução
A temporada milionária rendeu também uma vaga na Champions League, com a terceira colocação, atrás apenas dos gigantes United e Cheslea. Faltava, porém, superar o rival. E lá foi Mansour se divertir gastando dinheiro para que Aguero, Nasri, Clichy e Hargreaves, entre outros, vestissem azul. De quebra, ainda tem esnobado boas propostas por Tevez, que decidiu ignorar a faixa de capitão, o posto de ídolo e se despedir, mesmo que ainda sem destino certo.
O argentino não está fazendo falta. Depois de 44 anos, o City encerrou a primeira metade de um campeonato nacional na liderança, posto que, por sinal, tem ocupado desde as primeiras rodadas. Nem mesmo a eliminação precoce na Champions League foi capaz de irritar os torcedores, já orgulhosos ao exibirem nas costas os número 6 e 1. Nada referente a contração milionária dessa vez, mas a goleada impiedosa imposta ao maior rival, como visitante na primeira metade quase perfeita da competição. O triunfo, inclusive, está fazendo a diferença, uma vez que é justamente o United o segundo colocado na tabela, com três pontos a menos.
O possível título, entretanto, não será sinal de nova enxurrada de dinheiro no próximo verão europeu na opinião da imprensa inglesa. Apesar das investidas pelo italiano De Rossi, do Roma, jornalistas acreditam que o sheik será mais moderado daqui para frente e justificam:
- Estes gastos frenéticos não vão continuar da mesma maneira dos últimos três anos. Isso foi feito para que o City alcançasse o estágio atual, chegasse ao topo. Só para temporada passada foram gastos 195 milhões de libras – argumentou James Ducker, do jornal The Times, acreditando que a estabilidade alcançada nas últimas duas temporadas é suficiente para que o “Deus Azul” tire o pé do acelerador e mantenha o bolso intacto.
James avaliou ainda como positivo o surgimento de Mansour no clube inglês. Apesar de apontar o fato de ter inflacionado o mercado como ponto negativo, o jornalista disse que a preocupação não é somente em formar boas equipes, mas reestruturar o clube
- Ele transformou o clube com uma fortuna praticamente da noite para o dia. Foi um investimento ruim, a medida que elevou o preço das transferências e salários no mercado, mas sua relação com o clube é de longo prazo. Os investimentos não foram só no time, como também em infraestrutura. Até por ter agora um time de primeira linha.
Com apenas 31 anos, Mansour bin Zayed bin Sultan Al Nahyan mudou a realidade de um clube de 121, além de balançar as estruturas do futebol mais rico do mundo. Alguém duvida do que o sheik é capaz? Afinal, não é qualquer um que é apontado como Deus. Mesmo que somente para metade azul de Manchester.
Entre os vermelhos, os investidores são odiados
Na metade vermelha, por outro lado, a história é até parecida, mas as reações bem diferentes. Também comprado por um milionário investidor, o americano Malcolm Glazer, em 2005, United não gastou tanto, conquistou mais títulos, mas ainda assim tem o proprietário como alvo nos últimos sete anos.
- Nós o odiamos. Ele é ruim para o United, ruim para o futebol americano (onde também tem investimentos). Adoraríamos se ele fosse embora. Estão sangrando com nosso clube. Pegam dinheiro e não colocam de volta - reclamou Peter Bolton, taxista e famoso torcedor dos Red Devils.
A revolta foi tanta na época da aquisição, que até mesmo torcedores abriram mão de sua paixão e fundaram um clube de dissidentes, o FC United, que disputa divisões inferiores na Inglaterra. A relação da família Glazer com o United original realmente é diferente da que vem sendo desempenhada pelo Sheik Mansour no rival. Como investidor, eles investe e retira dinheiro quando necessário, conforme explicou James Ducker.
- O motivo é simples para eles não suportarem os Glazers: ao contrário do Sheik, ele tira dinheiro do clube para pagar suas dívidas. Para os torcedores, é um valor que poderia ser gasto com reforços.
Quem tem esse gasto como hobby, porém, está do outro lado da cidade. Basta perguntar aos citizens por “Deus”.
fonte: globo