Em entrevista exclusiva ao LNET!, o técnico e ex-jogador da Seleção abre o coração ao falar do filho transexual
Toninho Cerezo, 56 anos, 39 dos quais dedicados ao futebol, se prepara para retomar sua rotina no mundo da bola. O técnico e ex-jogador da Seleção está há nove meses afastado após saber que seu segundo filho, Lea T, é transexual, uma notícia divulgada internacionalmente que mexeu com sua família.
Cerezo conversou com o LANCENET! em sua casa em Belo Horizonte. Com seu jeito simples, ele contou como recebeu a novidade, ainda com a voz carregada de emoção. Católico, assim como o restante da família, falou do preconceito no esporte, admitiu que já desconfiava da situação sexual de Lea e confessou que está preparado para ouvir piadinhas: 'Já xingaram muito a minha mãe', diz em tom de brincadeira. Passado o turbilhão, faz planos para voltar à profissão.
Como foi este período após a revelação de que Lea T. é transexual?
Tirei esse tempo para arrumar minha vida. Tive que dar atenção à família, acalmar essa poeira. O problema maior foi da porta para fora de casa, toda essa repercussão que a mídia deu. Fiquei tanto tempo fora do Brasil, foram quase dez anos no total, entre Japão e Oriente Médio, e agora eu quis ajeitar as coisas. E também tenho alguns negócios em Belo Horizonte e em Salvador. Tive tempo também para acompanhar o nosso futebol. Deu para ter um bom apanhado do nosso campeonato. Assisti a muitos jogos nesse período.
Você estava no comando do Sport quando saiu a notícia. O emocional o atrapalhou em algum momento?
Sempre tive uma facilidade: eu nunca levei problema pessoal para dentro de campo, nem como atleta, nem como treinador. Procuro separar do trabalho. Acabou ali, aí sim vou procurar resolver alguma dificuldade que possa ter. Naquele momento, quando saiu essa notícia, eu procurei o presidente Sílvio Guimarães e o diretor de futebol Francisco Guerra e deixei bem claro para eles. Contei o que houve e, como se tratava do meu nome, os deixei à vontade para resolverem. O time vinha ganhando, vivíamos uma boa fase. Toda a diretoria naquele momento ficou do meu lado e me deu apoio.
Sua saída do time não teve nada a ver com o episódio?
Não. O Sílvio foi o único presidente que teve a coragem de me procurar no vestiário antes de uma partida e me falar a real situação. Ele disse para mim: 'Cerezo, vai entrar uma diretoria nova, não querem você, eles contrataram outro treinador. Acho que você não deve dirigir a equipe. Não concordo com isso, por isso estou aqui te falando a verdade mas é você quem resolve'. Eu o agradeci e fui conversar com os jogadores, explicar o que estava acontecendo. Me despedi deles e não comandei mais o Sport. Mas não tenho do que reclamar do clube.
Sofreu preconceito de algum dirigente por causa da sua filha?
Acho que o mundo do esporte está superando o preconceito. Na sociedade é um fato, politicamente está uma coisa aberta, clara. Teve essa votação no STF (sobre a união gay), não tem retorno e as pessoas não deixam de ser felizes por causa disso, mas eu não posso pensar pela cabeça dos outros. Eu nunca ouvi isso de nenhum dirigente, mas acredito que possam ter pessoas que pensem assim. É meu filho, aliás minha filha, meu sangue. Nunca me fez abaixar a cabeça, até porque fui criado no meio artístico, de mentalidade aberta, lógico que dentro de uma carapuça do mundo da bola. As coisas vão mudando para melhor. E eu também acompanhei isso, estive na Itália, viajando, rodando. Em se tratando de Lea é minha criatura, não tem como ser diferente. Talvez possa acontecer de eu estar trabalhando e alguém xingar, mas já xingaram tanto minha mãe. Isso pode acontecer e eu vou superar, porque a vida me deu muitas coisas maravilhosas, principalmente se tratando de família.
QUEM É |
Nome: Lea T |
Nasceu em 1981, em Belo Horizonte (MG) |
Profissão: modelo |
Notoriedade: Ganhou destaque de ser uma das estrelas da Givenchy, grife francesa de luxo, em 2010 |
Numa entrevista, Lea disse que você não teria recebido bem sua condição.
Não é isso. Às vezes as pessoas pensam por você. Tanto é que por eu ter sido criado numa diversidade tão grande, por via do mundo da bola, ser disciplinado e ter esse jeito assim mineiro, sempre escuto e dou umtempo. Até para pensar melhor e entender. Quando a Lea falou tudo, eu fui o último a ficar sabendo. Eu fui a última pessoa que ela chegou e falou, mesmo porque eu já sabia. Mas nunca questionei, nunca briguei. Mas eu achei melhor ela falar do que viesse da outra parte, como aconteceu. Depois ela viu que não existe problema de forma nenhuma. Acho que foi mais medo dela de contar, porque o pai é ex-jogador, a família, as tias, todo mundo católico demais. Só que o negócio veio tão forte, toda essa agitação, que era diferente de marcar alguém, de dar um passe, entrar dentro da área para cabecear ou sofrer uma crítica de um comentarista esportivo. Foi uma coisa completamente nova, então resolvi ouvir, ficar calado, porque precisava do meu tempo. Eu já imaginava. Entre os meus filhos, todos eles sempre souberam que sempre teriam o meu apoio, independentemente do que acontecer.
É um assunto superado?
Totalmente. Nem comentamos isso mais. Agora é a vez de a gente brincar com isso. Eu lembro uma vez que teve um clássico Corinthians x São Paulo e levei todos eles em campo. A Lea dormiu no jogo. Aí eu vi que ela não tinha nada a ver com futebol. Quando eles eram crianças eu os coloquei na escolinha de futebol, na época da Sampdoria. Ela ficou brincando de aviãozinho, nem aí para a bola.
Durante este período, recebeu alguma proposta?
Tive uma do Vitória, no final do ano passado, mas ainda não era o momento. E uma sondagem da China, que rejeitei.
Como treinador, você trabalhou mais no exterior do que no Brasil. Tem um motivo específico para isso?
Talvez porque nos lugares onde cheguei lá fora tive a sorte de me deixarem dar uma continuidade no meu trabalho e aí se pega confiança. No Japão, por exemplo, fiquei cinco anos no Kashima Antlers e tive a felicidade de ser campeão do Campeonato Japonês, da Copa do Imperador e da Liga Japonesa. No Brasil, não peguei um time chamado de ponta, em que você vai ter plantel, não vai ter problemas financeiros, como atrasos de pagamento, por exemplo, e assim poder trabalhar com tranquilidade.
Você ainda mantém contato com o pessoal do Kashima?
Sim, tenho. Quando teve essa tragédia do terremoto lá no início do ano, eu liguei para eles para comunicar minha solidariedade, afinal aquilo foi um sofrimento muito grande. Agora com a retomada do campeonato, eles me procuraram, estão pensando em fazer uma partida beneficente pelas pessoas afetadas pela tragédia e talvez eu tenha que colocar as chuteiras de novo. Não é mais a minha área, mas vai ser por uma boa causa.
Quais são os planos daqui para a frente?
Quero apenas poder fazer meu trabalho com tranquilidade, desenvolver uma equipe, prepará-la desde o início. Se não tiver a opção de fazer isso aqui, quero fazerum curso no meio do ano na Itália, de aprimoramento na profissão, com aulas sobre tática, técnicas de aperfeiçoamento físico, comunica ção com os jogadores. Sempre tem novidade no futebol. E é o que sei fazer e onde gosto de estar, no campo.
fonte: lance