quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Caçula, Cabo Verde faz 'vaquinha' para poder disputar a Copa Africana


Após eliminar Camarões, seleção de pequeno arquipélago recorre a doações para disputar pela primeira vez a competição continental

Por Felipe Schmidt
Rio de Janeiro
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O relógio apontava 44 minutos do segundo tempo quando Fabrice Olinga aproveitou o cruzamento de Samuel Eto’o para virar o jogo para Camarões contra Cabo Verde, em outubro de 2012. Entretanto, não houve comemoração. Momentos depois, com o apito final, os tradicionais Leões Indomáveis estavam fora da Copa Africana de Nações de 2013. Do outro lado, um time formado por jogadores pouco conhecidos festejava. Mesmo com a derrota por 2 a 1, o pequeno arquipélago que fala português veria sua seleção pela primeira vez no maior torneio do continente, por causa da vitória no primeiro jogo por 2 a 0. 
Apesar do momento histórico, nem tudo é perfeito. Mesmo com a classificação para a Copa Africana de Nações, a participação de Cabo Verde ficou ameaçada. O presidente da Federação Caboverdiana de Futebol (FCV), Mário Semedo, revelou no fim do ano passado que não havia dinheiro suficiente para custear a preparação da equipe. Até o início desta semana, a entidade tinha apenas 20% dos € 670 mil (cerca de R$ 1,8 milhão) necessários. Diante dos apelos, uma campanha de doações fez-se necessária para que a equipe chegasse à África do Sul. Empresários e a própria população caboverdiana se mobilizaram.
Seleção de Cabo Verde (Foto: Agência AFP)Seleção de Cabo Verde durante a preparação para a Copa Africana de Nações (Foto: Agência AFP)
A questão econômica, aliás, mostra que o futebol em Cabo Verde ainda precisa evoluir muito para se manter na elite da África. O técnico da equipe, Lúcio Antunes, não se dedica exclusivamente à função: é também controlador aéreo do aeroporto da cidade de Sal, e pediu licença em junho de 2011 para guiar os Tubarões Azuis. Os clubes ainda têm pouca competitividade fora do país, e a maior parte dos jogadores atua no exterior.
- A parte financeira é o principal problema de Cabo Verde. O futebol no país ainda não tem uma estrutura profissional, funciona de forma amadora e tem pouca visibilidade para atrair patrocinadores que possam financiar uma estrutura mais forte. Esta participação na Copa Africana pode fazer com que as coisas mudem – explicou o treinador portugês João Prates, que hoje trabalha no arquipélago.
Laços com Portugal
Antiga colônia de Portugal, Cabo Verde conseguiu sua independência política apenas em 1975. Sua história no futebol também é digna de um caçula: a FCV foi fundada em 1982 e só se filiou à Fifa e à Confederação Africana de Futebol em 1986. Nos últimos anos, porém, o país iniciou uma evolução: subiu da 182ª colocação no ranking mundial em 2000 para o 69º lugar atual. As ligações com a antiga metrópole, porém, seguem fortes e ajudam a explicar o crescimento dos Tubarões Azuis.
- Este trabalho começou com o técnico português João de Deus na seleção (ele comandou o time entre 2008 e 2010), sobretudo na questão de organização, que é o grande problema do futebol africano. João de Deus criou isso, mudou a mentalidade e levou um maior conhecimento metodológico. Os resultados estão à vista, mas ainda há muita coisa a fazer – analisou Prates.
Lucio Antunes, Cabo Verde (Foto: Agência Reuters)
Técnico da seleção, Lúcio Antunes é controlador
aéreo em Cabo Verde (Foto: Agência Reuters)
Aliás, um dado curioso mostra a relação do arquipélago com a ex-metrópole. Atualmente, há mais caboverdianos morando fora do que no próprio país. Como resultado, a seleção é formada por diversos atletas que iniciaram suas carreiras em outros lugares, principalmente em...Portugal. 
Ao todo, nove jogadores atuam em clubes lusitanos. Por outro lado, alguns atletas nascidos no arquipélago optaram por defender Portugal – o caso mais famoso é o do meia Nani, do Manchester United, mas o zagueiro Rolando, do Porto, e o lateral Miguel, ex-Valencia, são outros exemplos. Para João Prates, o intercâmbio entre os países pode ser benéfico para Cabo Verde. 
- O mercado de Cabo Verde é acessível financeiramente, e há jogadores de qualidade, que, sendo contratados jovens, melhoram aspectos menos desenvolvidos, como os táticos e a adaptação a uma nova exigência competitiva. Nani, Rolando e Miguel fizeram toda a formação em Portugal. Logo, é natural que tenham optado por Portugal. 
Sem pressão
Ironicamente, a grande estrela da seleção na atualidade joga na França. O atacante Ryan Mendes chegou à Europa em 2008, ainda com 18 anos, contratado pelo Le Havre junto ao Batuque. Na temporada passada, acertou com o Lille. Rápido e habilidoso, é tido como a principal promessa de Cabo Verde para os próximos anos. Na Copa Africana, entretanto, evita sonhar muito alto. 
Ryan Mendes Lille (Foto: Getty Images)Ryan Mendes atua no Lille (Foto: Getty Images)
- Estamos indo sem pressão, estamos apenas felizes por estar lá. Já surpreendemos ao eliminar Camarões, e vamos dar tudo que podemos para mostrar aos torcedores do que Cabo Verde é capaz – afirmou o atacante, em entrevista ao site da Fifa.
De fato, só a possibilidade de estar entre as principais seleções do continente já é algo a ser celebrado em Cabo Verde. A tarefa para passar da fase de grupos é complicada: o time está no Grupo A, junto com a anfitriã África do Sul, Angola e Marrocos. Mas, para quem eliminou Camarões, nada é impossível.
- De forma teórica, Cabo Verde é a seleção menos favorita do grupo, mas, na prática, poderá surpreender. É o time que tem menos responsabilidade, menos pressão, e os adversários podem não jogar com a concentração necessária contra a equipe. Os jogadores de Cabo Verde, por outro lado, estão motivados e têm qualidade técnica e maturidade tática para surpreender – avaliou Prates.
Mundial no Brasil? Sonho distante
Independentemente do resultado na Copa Africana, o próximo sonho de Cabo Verde é a Copa do Mundo de 2014, no Brasil. A situação dos Tubarões Azuis, entretanto, não é confortável nas eliminatórias: o time perdeu os dois primeiros jogos e está em último em seu grupo, a seis pontos da líder Tunísia – apenas o vencedor de cada chave avança à próxima fase.
Ainda que não esteja no Brasil no ano que vem, Cabo Verde tem motivos para sonhar: a participação na Copa Africana de Nações pode ser a porta de entrada para a elite do futebol no continente.
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Marcos Soares, Cabo Verde (Foto: Agência AFP)Estrangeiro: volante Marco Soares atua no futebol do Chipre (Foto: Agência AFP)FONTE: GLOBO