sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Nova ordem africana: potências perdem espaço para 'emergentes'


Tradicionais, Camarões, Egito e Nigéria sofrem com problemas estruturais e veem times como Zâmbia e Mali virarem protagonistas no continente

Por Felipe Schmidt
Rio de Janeiro
Comente agora
Quando o zagueiro Stoppila Sunzu bateu com perfeição o último pênalti de uma disputa com 18 cobranças, dando o título da Copa Africana das Nações de 2012 à Zâmbia contra a poderosa Costa do Marfim, confirmou-se um processo que vinha se desenhando no continente nos últimos anos: a mudança na hierarquia do futebol local. Em vez dos tradicionais Egito, Camarões e Nigéria, a hora é de “emergentes”, como os atuais campeões, Mali e Cabo Verde.
A edição de 2012 já dava sinais de que algo estava diferente. Equipes conhecidas, como Egito, África do Sul, Nigéria e Camarões, sequer se classificaram para o torneio, embora outras potências - Costa do Marfim e Gana, por exemplo - tenham mantido o nível. Por outro lado, além da campeã Zâmbia, Mali ficou em terceiro lugar, enquanto os modestos Sudão, Gabão e Guiné Equatorial atingiram as quartas de final. Para 2013, Camarões e Egito - que somam 11 dos 28 títulos da competição - voltaram a ficar de fora. Senegal é outra ausência importante.
zambia campeã copa africana (Foto: Reuters)Jogadores da Zâmbia celebram a conquista da Copa Africana em 2012 (Foto: Reuters)
Os motivos para esta mudança de ordem são diversos. Passam pela crônica falta de estrutura dos clubes africanos, a onipresente desorganização das federações locais e até por problemas políticos. Isto abriu espaço para países menos tradicionais, mas com melhor planejamento.
- O triunfo da Zâmbia não é por acidente. Somente provou que dá resultado construir uma nação forte no futebol. Isto mostra que diversos países estão evoluindo e, ao mesmo tempo, dando os passos certos para se desenvolverem no futebol – analisou o nigeriano Emmanuel Okocha, ex-jogador, irmão do antigo craque Jay Jay Okocha e hoje empresário de atletas.
Além da organização, países como Zâmbia e Mali têm algumas características em comum que explicam o sucesso recente. Aliás, o êxito das duas seleções pode ser definido por uma palavra: estabilidade, tanto no âmbito esportivo quanto no político.
- Ambas as seleções deram tranquilidade a seus técnicos e, embora Mali esteja passando por uma guerra civil, a situação política que poderia afetar o esporte é estável nos dois casos – explicou a jornalista Firdose Moonda, do “The Times” da África do Sul.
egito confusão estádio (Foto: AP)
Tragédia de Port Said afetou profundamente a
estrutura do futebol egípcio (Foto: AP)
Egito sucumbe às mudanças políticas
Ao contrário de Zâmbia e Mali, o Egito lida com problemas políticos desde que uma revolução local acabou com o governo de Hosni Mubarak em 2011. Os reflexos no futebol se fizeram notar quando um conflito entre torcedores no estádio de Port Said provocou a morte de 74 pessoas. Como resultado, a liga nacional foi cancelada. A seleção, maior vencedora da história da Copa Africana - são sete títulos - sofreu com isso: já não se classifica para o torneio há duas edições, após ser tricampeã em 2006, 2008 e 2010.
- Acredito que o Egito vai voltar a se destacar assim que sua situação política se estabilizar. Mas os problemas de Camarões são mais preocupantes, porque são estritamente relacionados ao futebol. Há uma constante discussão sobre bônus para os jogadores, além da questão da disponibilidade deles para a seleção. Ainda há diversos problemas administrativos. Todos os países têm problemas em graus diferentes, porque há muito poder para se disputar na África – completou Moonda.
Polêmicas atrapalham Camarões
De fato, Camarões é o maior exemplo de que, sem estrutura e organização, não basta ter Samuel Eto’o na equipe. Desde o vice-campeonato em 2008, os Leões Indomáveis, que possuem quatro títulos no torneio, mal fazem figuração na Copa Africana: caíram nas quartas em 2010 e ficaram de fora das edições de 2012 e 2013. Nas últimas eliminatórias para a CAN, caíram para Cabo Verde após uma série de polêmicas entre Samuel Eto’o e a federação em relação ao pagamento de prêmios.
Para Patrice Omgba, diretor do Tonnerre, um dos clubes mais tradicionais de Camarões, que teve Roger Milla e o liberiano George Weah em suas fileiras, as autoridades do futebol no país são as responsáveis pelo declínio da seleção. Os erros são conhecidos: falta de investimento e disputas políticas.
- Camarões não tem mais alma em seu futebol, e isto é resultado da falta de visão daqueles que comandam nosso futebol. Os prêmios não são pagos, a infraestrutura não existe, e os jogadores são tratados como animais. Além disso, há os pequenos acordos entre amigos para tomar conta de tudo. A corrupção influencia todas as decisões da federação – disparou o dirigente.
samuel etoo camarões (Foto: Agência AP)Eto'o em ação por Camarões: relacionamento difícil com a federação local (Foto: Agência AP)
Neste contexto, Omgba acredita que os jogadores são as maiores vítimas.
- Os clubes hoje servem como uma plataforma para vender de forma barata os atletas. E aqueles que saem nem mesmo são os mais talentosos, e sim os que pagam uma taxa aos empresários. Quando um jogador brilha no exterior, torna-se um alvo para os dirigentes. Ele precisa pagar para ser convocado e jogar na seleção. Samuel Eto’o é um grande jogador, mas não pode fazer tudo. A questão é simples: ele teve as condições ideais para exercer seu profissionalismo e sua liderança por Camarões?
'Órfã' de ídolos, Nigéria tenta se reeguer
Os problemas, porém, não são exclusividade de Camarões. Na Nigéria, uma geração talentosa, representada por Jay Jay Okocha e Nwankwo Kanu, ganhou os Jogos Olímpicos em 1996, eliminando o Brasil no caminho. Porém, após a aposentadoria destes atletas, a reposição não manteve o nível, muito por conta da falta de investimento das autoridades locais.
- Todo mundo sabe que uma estrutura não dura por muito tempo sem uma boa base. A Nigéria se recusou a reconhecer isso e se concentrou na seleção, onde há mais dinheiro e prêmios. Eles não perceberam que a razão de tantos jogadores irem embora para países sem tanta tradição é o fato de que a liga nacional precisa de reestruturação. Os talentos são descobertos e desenvolvidos, não caem do céu.
roberto carlos brasil kanu nigeria atlanta 1996 (Foto: Agência Getty Images)
Kanu eliminou o Brasil em 96, mas Nigéria não
aproveitou o sucesso (Foto: Agência Getty Images)
Com um time significativamente mais modesto, as Super Águias sequer se classificaram para a Copa Africana de Nações em 2012. O time estará presente em 2013, mas o técnico da equipe, Stephen Keshi, sabe que será difícil brigar pelo título.
- Nós passamos por um momento de transição. Tentar atingir os mesmos resultados não é fácil. Mas estamos trabalhando bem, fazendo uma boa preparação – declarou o treinador.
Entretanto, Keshi não se livrou dos tradicionais problemas, entre eles o relacionamento difícil com alguns atletas. Por conta disso, deixou de fora da equipe o atacante Peter Odemwingie, destaque do West Brom, da Inglaterra. O técnico, porém, evita polêmica.
- Não houve problema, eu simplesmente mantive os jogadores que eu queria. O elenco é muito bom, e estamos empenhados em ir bem – completou.
Planejamento dá frutos a Gana
Entre as grandes forças, poucas conseguiram se manter no topo com freqüência. Gana é o maior exemplo disso. Campeã do Mundial sub-20 em 2009, a seleção chegou às quartas de final da Copa do Mundo de 2010 e foi quarta colocada na última Copa Africana. Por isso, é uma das favoritas para a edição deste ano. O segredo? Não cometer os mesmos erros que os vizinhos.
- Os dirigentes ganeses parecem mais inclinados a ter um plano de sucessão, onde os jovens conseguem substituir os mais experientes. Nós construímos um sólido trabalho de base, por causa de um plano de desenvolvimento em cinco anos. A Federação também se certificou de financiar a equipe e raramente se ouve falar de divergências em relação a bônus. Os técnicos também têm relativa liberdade para escolher os jogadores que querem – contou Kent Mensah, editor da versão de Gana do site “Goal.com”.
Annan Anthony, Gana x Guiné (Foto: Reuters)Gana foi quarta colocada na última Copa Africana de Nações (Foto: Reuters)
Por conta do bom trabalho de base, Gana viu surgir nos últimos anos um grupo de atletas que já atua na Europa, como os volantes Kwadwo Asamoah, titular absoluto do Juventus, e Agyemang-Badu, do Udinese. Os dois já estão prontos para assumir as vagas dos veteranos Muntari e Essien.
- Gana foi abençoada com um grande número de jogadores talentosos. Nós temos jogadores que acreditam no conceito de que os resultados da seleção ajudam a conseguir boas transferências. Eles estão prontos para morrer pelo país e, como conseqüência, ganhar nome – completou o jornalista.
Ligas nacionais: a raiz dos problemas
Se Gana conseguiu se organizar bem para dar boa estrutura à seleção, o mesmo não se pode dizer da liga nacional. Aliás, a falta de competitividade dos campeonatos locais é vista como um dos principais problemas para o êxodo cada vez mais cedo dos principais jogadores.
mazembe novo estádio (Foto: Divulgação/Site Oficial)
Novo estádio do Mazembe: base do time é formada
por atletas da Zâmbia (Foto: Divulgação/Site Oficial)
Até aí, é possível perceber uma vantagem da Zâmbia. Os atuais campeões contam com uma base que joga no Mazembe, da República Democrática do Congo, um dos poucos clubes bem estruturados no continente – cinco atletas do elenco que disputará  a CAN-2013 estão lá. Mali e Cabo Verde, por sua vez, se aproveitam de um grande número de emigrantes, encontrados nas antigas metrópoles França e Portugal, respectivamente.
Nos casos de Camarões e Nigéria, a situação é diferente. Como é possível descobrir novos talentos em ligas sem atrativos esportivos e financeiros? O ciclo nocivo ao futebol das antigas potências se fecha com os problemas de desorganização citados anteriormente.
- A transferência de talento não acontece, já que assim que um jovem promissor é encontrado, ele é tirado desta situação e vai se desenvolver em outro lugar, sem dar nada em troca. Para fortalecer as ligas é necessário grande investimento, o que não acontece. As empresas precisam investir, mas, com tanta corrupção, têm receio de fazer isso – justificou Moonda.
mali x gana (Foto: AP)Seleção de Mali conquistou a terceira posição na Copa Africana de 2012 (Foto: AP)FONTE: GLOBO