segunda-feira, 22 de junho de 2015

Torcedor ganha "pernas" graças ao Palmeiras e vive maratona até arena

Motivado pelo amor ao clube, Renan Barreiros, portador de nanismo diastrófico, pega várias conduções com cadeira de rodas comprada após campanha de palmeirenses

Por 
Mogi das Cruzes e São Paulo, SP


- Se tem aquele argumento de mãe de que o Palmeiras não me dá nada, para mim não serve, porque o Palmeiras me deu até as "pernas".

Gols, vitórias, títulos... Um time de futebol pode proporcionar muitas dessas alegrias a seus torcedores em diferentes momentos de suas vidas. Porém, para um palmeirense de 24 anos de Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo, a relação com seu clube de coração foi bem além do que acontece dentro de campo.

Portador de nanismo diastrófico, doença que o impede de andar desde a infância, Renan Barreiros de Macedo tem o Palmeiras como um grande companheiro para superar qualquer limitação que a vida possa lhe impor. A ponto de amigos palmeirenses terem feito uma campanha para arrecadar fundos e ajudá-lo a comprar uma cadeira de rodas... verde. 

Foram quase R$ 4 mil levantados em dois dias com o auxílio de torcedores de várias partes do mundo e do próprio clube, que cedeu duas camisas autografadas para leilão. E é justamente essa cadeira que Renan usa para ir aos jogos do time, muitas vezes fazendo o trajeto de Mogi até São Paulo sozinho, apesar das limitações físicas (confira a ida de Renan até o jogo entre Palmeiras e Fluminense, na arena do clube, no vídeo acima)

A DOENÇA E INFÂNCIA FELIZ
Renan Barreiros torcedor Palmeiras deficiente físico (Foto: Arquivo Pessoal/Clotilde Barreiros)Renan mostrou paixão pelo futebol desde pequeno (Foto: Arquivo Pessoal/Clotilde Barreiros)
"Sabe sempre levar de vencida e mostrar que de fato é campeão..."
Talvez essa seja a passagem do hino palmeirense que melhor descreve a trajetória de Renan. Ele é portador de nanismo diastrófico, doença rara que se caracteriza principalmente pela baixa estatura e pela má formação de algumas partes do corpo. A mãe, Clotilde Barreiros, hoje com 60 anos, descobriu o problema ao fazer um ultrassom com oito meses de gestação, contrariando a sugestão do médico pré-natal, que dizia estar tudo bem com a criança.
- Na hora a gente fica chocada, mesmo que eu já estivesse esperando por alguma coisa, porque essa gravidez estava diferente da anterior. Mas fui me adaptando, aceitando. Quando ele nasceu, os médicos fizeram um rebuliço danado. Acho que eles nunca tinham visto um bebê nascer daquela forma. Sei que a notícia chegou até na cozinha do hospital - relembrou.
Assim como as últimas temporadas do time de coração, os primeiros anos de Renan não foram fáceis. Cirurgias na boca, nos dois pés... Essas últimas, inclusive, permitiram que ele andasse durante a infância e, assim, vivesse o começo de sua paixão pelo futebol.
Renan Barreiros torcedor Palmeiras deficiente físico (Foto: Arquivo Pessoal/Clotilde Barreiros)Palmeirense usava motoca para se locomover nos primeiros anos (Foto: Arquivo Pessoal/Clotilde Barreiros)
No entanto, aos oito anos, devido à falta de um aparelho de adaptação para os pés conhecido como goteira, que a mãe não encontrou quem confeccionasse, o garoto parou de andar. Diante dessa situação, foi necessário buscar novas alternativas, dentre elas uma motoca, brinquedo que era adaptado para Renan se locomover e que se tornou seu companheiro.

- O Renan foi uma criança feliz. Ele se divertiu bastante na época da infância. Ia para a escola, tinha os amiguinhos, que vinham todos no meu quintal. Eles ficavam brincando, jogando bola. Lá eles passavam o dia inteiro. O Renan só parava para comer. Era só diversão, principalmente com o futebol.

UM NOVO PALMEIRENSE
1996. O Palmeiras viveu um dos momentos mais marcantes de sua história ao ser campeão paulista com o famoso ataque dos 102 gols. Sob o comando de Vanderlei Luxemburgo, o time praticamente flutuava em campo, com nomes como Velloso, Cafu, Júnior, Müller, Djalminha, Rivaldo e Luizão, entrando para a lista dos maiores elencos já formados pelo clube.
Palmeiras 1996 (Foto: Agência Estado)Equipe do Palmeiras de 1996 foi campeã paulista com marca de 102 gols e encantou Renan (Foto: Agência Estado)


Aquele esquadrão bom de bola e descontraído pode até não ter conquistado mais títulos em 1996, mas foi o suficiente para encantar o garoto de então cinco anos, que também via no pai, José Braz, de 84 anos, a figura de um palmeirense das antigas. Surgia ali um novo e nobre motivo para Renan seguir sua caminhada: o Palmeiras entrava em sua vida para nunca mais sair.

Renan Barreiros torcedor Palmeiras deficiente físico (Foto: Cairo Oliveira)Pai de Renan, José Braz foi principal influência para filho ser palmeirense (Foto: Cairo Oliveira)
- A primeira lembrança que eu tenho do Palmeiras foi em um clássico com o Corinthians em 96. Lembro do Júnior comemorando o gol igual ao "É o Tchan", que estava na moda na época. Isso chamou minha atenção. Meu pai estava na sala e perguntei: que time é aquele de verde? E ele: Palmeiras. Passou um tempinho e eu disse: sou palmeirense! Ele deu um joia para mim. A partir desse dia comecei a acompanhar os jogos e torcer - contou.

- Desde bebezinho o pai dele dizia que o filho iria torcer pelo Palmeiras. Depois, naqueles joguinhos no quintal de casa com os amigos, ele sempre era jogador do Palmeiras, e os outros eram de outros times - disse a mãe.

MOMENTOS E AMIZADES ALVIVERDES
Renan Barreiros torcedor Palmeiras deficiente físico (Foto: Arquivo Pessoal/Renan Barreiros)Renan não esconde idolatria por Marcos, admirado por ele desde 1999 (Foto: Arquivo Pessoal/Renan Barreiros)
Conforme os anos se passaram, o amor time aumentou. Em meio aos obstáculos enfrentados no dia a dia, foram vários os momentos de felicidade proporcionados pelo Palmeiras, entre idas aos estádios, visitas às obras da atual arena e encontros com figuras históricas do clube, dentre eles Ademir da Guia, Evair e Marcos, que Renan não esconde ser seu grande ídolo.
- Costumo falar que uma pessoa normal acorda de manhã, toma café, vê notícia no jornal e vai trabalhar. Comigo é o contrário. Eu acordo, vejo notícia do Palmeiras, tomo café e vou trabalhar vendo notícias do Palmeiras. Não consigo me imaginar sem o Palmeiras. Sem ele eu não teria metade dos amigos que tenho - falou Renan, que se formou em jornalismo no início deste ano.

- O Palmeiras foi um fator que uniu a nossa amizade. Ele é um cara em quem a gente se inspira até para encarar a vida. É um dos poucos amigos que nunca reclamaram de nada que acontece com ele. Você percebe que é uma pessoa que sabe administrar a situação que ele tem, com muito bom humor, não reclama e faz aquilo que ele acha que tem que fazer - disse Fábio Cerdeira, de 37 anos.

Renan Barreiros torcedor Palmeiras deficiente físico (Foto: Arquivo Pessoal/Renan Barreiros)Fábio Cerdeira é um dos amigos que acompanham Renan nos estádios (Foto: Arquivo Pessoal/Renan Barreiros)
DE MOGI À ARENA
Hoje em dia, o fato de se locomover sobre uma cadeira de rodas não é um empecilho para Renan sair de Mogi das Cruzes, cidade onde mora, e ir para o estádio palmeirense, que fica a cerca de 70 quilômetros de sua casa. E muitas vezes esse trajeto é feito sozinho. Ônibus, trem e metrô são os meios utilizados por ele para chegar à capital, onde se encontra com algum amigo palmeirense que o conduz até o palco dos jogos.
Renan Barreiros torcedor Palmeiras deficiente físico (Foto: Arquivo Pessoal/Renan Barreiros)Arena do Palmeiras já se tornou "casa" de Renan nos últimos meses (Foto: Arquivo Pessoal/Renan Barreiros)
- Eu já não fico mais preocupada. Me preocupei só nas primeiras vezes. Depois já fui me acostumando. Eu o deixo na estação com os seguranças, que o ajudam a pegar o trem. Lá em São Paulo sempre tem um amigo dele esperando. Sei que está tudo em boas mãos - revelou a mãe.

Além das dificuldades físicas, Renan tem agora também um outro problema: ao contrário do que acontecia no Pacaembu, os ingressos para deficientes na arena são cobrados, o que o impede de ir a alguns jogos. O valor mínimo que ele paga no ingresso atualmente é de R$ 40. Apesar disso e de ter de lidar com suas limitações, ver uma partida no estádio palmeirense é, para Renan, algo que vale muito a pena.

- Para mim não é sacrifício. Estou indo fazer uma coisa que eu gosto. Ver o Palmeiras jogar. O que eu recebo lá no jogo é muito maior do que o sacrifício que eu faço para ir.

fonte: globo