Velho Lobo ficou sensibilizado pelo gesto carinhoso e pelas palavras de Pelé após a vitória de 4 a 1 sobre a Itália, na final da Copa do México
Dos mais de 190 milhões de brasileiros, dificilmente haverá um mais verde-amarelo do que Mario Jorge Lobo Zagallo. Há dúvidas sobre o time de coração do Velho Lobo - muitos garantem que é Flamengo, outros que torce para o Botafogo ou até para o América. Mas ninguém duvida de que é o torcedor número um da Seleção Brasileira. Dentro e fora das quatro linhas.
Das cinco estrelas bordadas na lendária e temida camisa, Zagallo, hoje com 79 anos, ajudou a botar quatro. Bicampeão como jogador em 1958 e 1962, como treinador em 1970 e coordenador técnico em 1994, viu como poucos os jogos mais marcantes de Pelé com a amarelinha. Seja do lado do Rei, trocando passes, ou no comando. Sem pestanejar, escolheu o seu favorito. Que tem o calor de um abraço inesquecível.
- Na final de 1970, contra a Itália, Pelé teve presença marcante. O seu gol de cabeça, o primeiro do Brasil, foi uma pintura. Que impulsão! Depois, encerrou com chave de ouro a vitória por 4 a 1 com aquele passe para o gol do Carlos Alberto. Sem falar no abraço que me deu depois da conquista, quando voltávamos para a concentração. Ele chegou para mim e falou: "Zagallo, tínhamos que estar juntos para sermos tricampeões." Em 1966, ele continuou na seleção e eu parei de jogar. Em 1970, nos reencontramos. Sem dúvida, foi o maior abraço que recebi. De um grande triunfo do maior jogador do mundo.
Aquele 21 de junho no estádio Azteca, na Cidade do México, não sai da cabeça de Zagallo. A final, considerada por muitos da crítica internacional como uma das mais sensacionais de todos os tempos, resumiu, para o Velho Lobo, a participação do Rei do Futebol no Mundial.
- A grande Copa de Pelé foi a de 1970. Foi a que ele se preparou melhor fisicamente, inclusive. Jogou todas as partidas. Na de 1958, causou impacto quando entrou, mas não a jogou inteira, atuou nos quatro últimos jogos. Em 1962 e 1966, saiu por contusão. Na Inglaterra, foi caçado em campo. No México, estava concentrado. Sabia que seria seu último Mundial. Lembro que, quando assumi a Seleção no lugar do João Saldanha, que o tinha barrado por alegar que estava cego, o Rei me disse. "Zagallo, você pode me deixar até na reserva. Só não pode é me sacanear." Aí, respondi: "Pô, este time é você e mais dez!".
Show de Pelé e do Brasil
E assim foi o Brasil 70 montado por Zagallo. O time ganhou todas as partidas que disputou com exibições de dar inveja. Na vitória por 4 a 1 sobre a Itália, Pelé abriu o placar aos 18 minutos do primeiro tempo. A cabeçada é considerada pelo ex-treinador como das mais bonitas que já viu.
- A bola veio cruzada pelo Rivellino, da esquerda. Deu uma subida, mas o Pelé pulou no momento certo. A impulsão dele sempre foi impressionante.
De fato, Pelé foi no último andar e fez 1 a 0 na grande decisão. A euforia brasileira ganhou uma ducha quando Clodoaldo perdeu uma bola boba e, no contra-ataque, Bonisegna empatou para a Itália, aos 37 minutos. No vestiário, Zagallo deu uma bronca danada. Pelé, Tostão & Cia. ouviram atentos e entraram para decidir no segundo tempo. Gérson, em jogada individual, desempatou para a Seleção aos 20 minutos. O tiro de canhota na entrada da área foi indefensável para Albertosi.
A Itália já dava sinais de cansaço por causa da semifinal desgastante contra a Alemanha. O Brasil não tinha nada com isso e Jairzinho marcou o terceiro, aos 25. A confirmação do tri, no entanto, chegou com o quarto gol, aos 42. Jogada linda, bola de pé em pé, iniciada com Clodoaldo.
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tetracampeão mundial Zagallo (Foto: agência AP)
- A jogada não foi toda ensaiada. Estaria mentindo se dissesse isso. A do Tostão, pela esquerda, foi puro improviso. Ele rodou para um lado, para o outro, tocou para o meio. Mas a do Pelé rolando para o Carlos Alberto vir pela direita ensaiamos, sim. Naquele jogo contra a Itália, a ideia era sempre o Jairzinho levar o Fachetti na marcação e abrir espaços para o Carlos Alberto chegar e bater.
Sem comparações
O capitão do tri aproveitou bem o espaço e soltou o disparo. Naquele time de craques, a presença de Pelé era fundamental. As comparações que surgem hoje do Rei do Futebol com Maradona nem são levadas a sério pelo Velho Lobo.
- Ele era um cara completo. Matava no peito como poucos, batia de esquerda, direita, cabeceava bem, era grande cobrador de faltas, pênaltis. Não dá para comparar o Maradona com o Pelé. Tudo bem que aquele gol em 1986 do Maradona contra a Inglaterra foi genial, mas o Rei fez quase 1.300, ele fez 300. Reticências eu boto para o Garrincha... Esse, em 1962, foi ele e o Pelé juntos. Era outro gênio.
Liderança também fora de campo
Pelé não era só importante dentro de campo. Zagallo se recorda de um episódio durante a Copa que acabou decisivo na conquista do tricampeonato mundial.
- Em 1970, estávamos numa concentração que era um motel. Isso em Guadalajara. Fomos vencendo os jogos, o time começou a ficar badalado... Nos treinos, toda hora vinham mexicanos e brasileiros pedirem autógrafo. Aí, Pelé pediu uma reunião. Disse que o objetivo não era ficar dando autógrafo, mas ganhar o título. Não podíamos sair do foco. Aquilo foi importante.
Na Copa do Mundo de 1962, no Chile, antes de se machucar e ficar fora do Mundial, Pelé já corria para o abraço em Zagallo nas comemorações de gols: parceria durou até o tri em 1970 (Foto: divulgação)
O Velho Lobo faz questão de lembrar que o Rei era também dos mais brincalhões no grupo. O tetracampeão mundial afirmou que ele se juntava a Brito, Jairzinho e Paulo César Caju nos batuques para relaxar o grupo. Seja fora ou dentro de campo, a personalidade forte sempre foi uma marca. Em 1958, quando debutou na Seleção na Copa da Suécia, Zagallo e Pelé se revezavam nas brincadeiras no gol. Como não havia substituições na época, jogadores de linha tinham que estar preparados para uma eventual necessidade de substituir o goleiro Gilmar.
- Ele era muito bom no gol, mas eu era a primeira opção. O time perderia menos comigo lá do que com ele. Gozado que em 1958 eu me espantei com a convocação dele. Na época, não tinha Brasileiro, era o Torneio Rio-São Paulo. Eu o tinha visto jogar muito pouco. Quando o encontrei lá, fiquei abismado. O mérito foi todo do Feola, o treinador do título. E no segundo jogo que entrou, já chegou dando chapéu, fazendo golaço... disse Zagallo, lembrando do gol da vitória sobre o País de Gales por 1 a 0. Que abriu as portas do mundo para o Rei do Futebol.
Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo: Clodoaldo, Gérson e Rivellino; Jairzinho, Tostão e Pelé | Albertosi, Burgnich, Cera, Rosatto e Fachetti; De Sisti, Bertini (Juliano), Mazzola (Rivera); Domenghini. Bonisegna, Riva. |
Técnico: Zagallo | Técnico: Ferruccio Valcareggi |
Gols: Pelé, aos 18 minutos, e Bonigena, aos 37. No segundo tempo, Gérson, aos 20, Jairzinho, aos 25, e Carlos Alberto, aos 42 minutos | |
Cartões amarelos: nenhum | |
Data: 21/06/1970. Local: Estádio Azteca, na Cidade do México (MEX). Árbitro: Rudi Gloeckner (Alemanha Oriental). Público: 107.417 pagantes. |
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