Descartado, atacante se prepara para futuro no Arsenal e lamenta poucas chances com Muricy: 'Ele nem conversa, só fala bom dia e boa tarde'
As aulas quase que diárias são para o aprendizado do inglês, idioma que fará parte de seu cotidiano a partir de janeiro de 2011. Entretanto, o que Wellington Silva tem vontade de falar, ou melhor, de perguntar, é dito em bom português: “Por que não eu?”. Pedra preciosa resgatada da mina de talentos de Xerém, o atacante teve um início de ano promissor, sonhou “pagar” ao Fluminense com gols os ensinamentos que o levaram ao Arsenal (ING), clube com o qual já está negociado, mas chega ao fim de sua breve passagem pelas Laranjeiras como descartado por Muricy Ramalho na reta final do Brasileirão e tenta entender o motivo. Principalmente pelo fato de o setor ofensivo ser o mais carente da equipe, com as seguidas lesões de Emerson e Fred.
Excluído até mesmo do elenco profissional, tem realizado trabalhos específicos em Xerém, Wellington Silva se prepara para voltar a Londres, no fim deste mês, para a terceira série de treinos para adaptação aos Gunners. A capital inglesa, no entanto, não era o destino dos sonhos do jovem de 17 anos. Pelo menos nesses últimos meses de 2010. O atacante não esconde de ninguém que queria ajudar o Flu na luta pelo título do Brasileirão. Pego de surpresa com a declaração de Muricy dizendo que não faz parte dos planos por “não está mais com a cabeça no clube”, ele desmentiu o agora já ex-comandante e deixou clara a mágoa com o tratamento recebido no período em que trabalharam juntos.
- Sempre estive no Fluminense, sempre fiz de tudo pelo clube, e acho que merecia um pouco mais de atenção e carinho.
Atenção e carinho que Wellington está acostumado a receber desde criança. Responsável pela mudança de vida dos Silva, que trocaram a Vila da Penha por um luxuoso condomínio na Barra da Tijuca, ele é a figura central de uma família que conta com mais três irmãos. O pai Ademir, no entanto, é o fiel escudeiro e não deixa que o filho se deslumbre com o mundo de sonhos que o espera, acompanhando-o de um lado para o outro. Paternalismo que o atacante encontrou também em Cuca, nos primeiros meses como profissional, mas não em Muricy.
- Hoje ele fala que não estou com a cabeça mais aqui. Não entendo o porquê disso. O Muricy nem conversa, só fala o básico, o “bom dia”, “boa tarde”. O ano foi complicado, mas me ensinou muito.
E foi mesmo. Como se não bastasse ser relegado, o jovem se envolveu em polêmicas com a divulgação de fotos com as camisas dos rivais Flamengo e Botafogo, além de receber críticas por excesso de individualismo em campo. Tudo, segundo ele, importante para que amadurecesse e chegasse pronto à Inglaterra. Quer dizer, pronto em campo, porque fora dele as coisas não andam tão bem assim. A dificuldade com o inglês é assumida e as aulas do idioma, pagas pelo futuro clube, não são muito bem-vindas.
- Não vou dizer que é chato, mas tem dias que estou cansado, chego assim dos treinos - diz com um sorriso no canto da boca - Só que eu sei que é algo muito importante para mim, mesmo não gostando.
No próximo dia 28, Wellington Silva embarca pela quarta e última vez para Londres para período de adaptação. A partir de janeiro, será em definitivo. O Fluminense já ficou para trás, com uma ponta de mágoa, mas também com gratidão. E após uma das “incômodas” aulas do novo idioma ele se dividiu entre o videogame e um bate-papo descontraído para falar sobre as frustrações do passado recente e a expectativa pelo futuro promissor.
Confira toda a entrevista com o jovem:
Hoje você não tem atuado pelo Fluminense e passa o tempo jogando videogame com o time do Arsenal. Em janeiro, porém, você vai estar lá, jogando de verdade pelo clube inglês e apontado com promessa. Como você encara essa situação e a proximidade de viver uma realidade tão diferente?
É até engraçado. Fico daqui jogando videogame com eles e daqui a pouco vou estar lá pertinho. Já tive a oportunidade de viver isso, e é uma sensação muito boa de estar do lado dos melhores do mundo. Sigo aqui me preparando para chegar e ser bem recebido por todos, poder contar um pouco da minha história também.
Desses jogadores todos aí que você comanda no videogame, em quem você se espelha para ter sucesso na Inglaterra?
Tem o Fabregas, que foi campeão da Copa recentemente, o próprio Denílson, que é brasileiro e nos recebeu muito bem...São muitos jogadores de nível e que servem de espelho para mim.
Você já foi três vezes para realizar treinamentos no Arsenal. Qual foi o contato que você teve com essas estrelas? Quem te recebeu melhor?
Quando fui a primeira vez, tinha o Eduardo da Silva e o Denílson. Eles que me receberam lá, ajudaram até mesmo na questão do idioma, deram conselhos. Mas todos são muito gente boa, humildes.
E tem sentido diferença com o passar do tempo? Acha que essa oportunidade de conhecer o local antes de ir definitivamente pode facilitar sua adaptação?
Cada vez que vou lá para treinar, conhecer as pessoas, conhecer o lugar e aprender esse inglês que é muito complicado (risos), me ajuda muito. Agora estou voltando e espero aproveitar ao máximo para facilitar adaptação. Tenho certeza que vai dar tudo certo.
Por falar em idioma, você tem tido aulas desde o início do ano por orientação do Arsenal. Já vai dar para se apresentar falando em inglês?
Não vou chegar lá falando. Isso só vai acontecer com o tempo. Mas já dá para chegar bem, vou conseguir me virar.
Você não demonstrou muita paciência com as aulas. É algo que te incomoda? Acha chato?
Não vou dizer que é chato, mas tem dias que estou cansado, chego dos treinos. Só que eu sei que é algo muito importante para mim, mesmo não gostando.
Em algumas oportunidades, o Arsene Wenger (treinador do Arsenal), que tem como característica apontar novos talentos, deu declarações bastante otimistas sobre você e demonstrando confiança no seu futebol. Como foi o primeiro contato que vocês tiveram?
É um ótimo treinador. Ele me recebeu muito bem, consegui ir bem nos treinos que ele observou. É um treinador que sempre fala de mim, me passa confiança e, inclusive, já conversou sobre isso comigo. Não diretamente, né? Com um intérprete (risos), mas falou da expectativa. Agora é comigo em campo.
Saber que um treinador tão conceituado aposta em você te deixa mais empolgado para o futuro que o espera a partir de janeiro?
Todo lugar é assim. Se o jogador tiver a confiança do treinador e do grupo, ele fica muito mais tranquilo para realizar um bom trabalho.
Por outro lado, se na Inglaterra a expectativa é grande, aqui no Flu o Muricy te descartou para o restante do campeonato, mesmo precisando de atacantes. Como você recebeu isso? Foi frustrante?
Com certeza. Queria jogar, estar com meus amigos e conquistar o Brasileirão, que é importante para qualquer um. Ainda mais com minha idade. Mas ele tem a escolha e o pensamento dele. Se é o melhor e o certo na opinião dele, só posso ficar triste e fazer meu trabalho. Pensar lá (na Inglaterra) e em chegar bem. O técnico do Arsenal já falou que confia em mim.
Te pegou de surpresa essa atitude do Muricy?
Ele nunca conversou sobre isso comigo, mas, com o passar do tempo, eu não jogava e já tinha percebido isso. Não posso fazer nada. Sou atleta e busquei fazer a minha parte. Tem muita coisa boa para mim ainda, sou novo. Vou seguir trabalhando para aproveitar as oportunidades futuras.
O Muricy justificou a decisão dizendo que você já está com a cabeça no Arsenal. Concorda com isso?
Não vi essa entrevista, só soube depois. Mas fiquei muito triste. Sempre tive o sonho de chegar ao profissional do Fluminense, com todo mundo é assim. Cheguei a jogar um pouco, mas acabei saindo. Não sei o motivo de o Muricy não me aproveitar. De qualquer forma, fico na torcida pelo título. Ficarei feliz e todos nós seremos vencedores juntos.
Neste período em que ele está no clube, você acha que fez algo de errado para resultar nisso ? (Wellington Silva foi aproveitado apenas nos dois jogos pelas quartas de final da Copa do Brasil, contra o Grêmio, e nas duas primeiras rodadas do Brasileirão. Os primeiros do Flu sob o comando de Muricy)
Perdemos essas duas partidas e depois daí só fiquei fora do time. Alguns jogos fui para o banco, outros fiquei de sobreaviso e depois nem relacionado era mais. Enfim, ele é o treinador. Não tenho nada para falar sobre isso. Futebol é assim, nem sempre as coisas acontecem quando a gente quer. Hoje ele fala que não estou com a cabeça mais aqui. Não entendo o porquê disso. Agora, sim, estou totalmente focado lá.
Você acha que suas fotos divulgadas com as camisas do Flamengo e do Botafogo te atrapalharam de alguma forma?
Não. Isso já faz muito tempo. Quando tirei aquelas fotos, ainda era criança. A repercussão só existiu porque aconteceu em semanas de clássico. É normal. Rivalidade, time grande.
Além destes episódios e da situação com o Muricy, o Cuca logo depois de te lançar como profissional fez algumas críticas sobre seu individualismo e excesso de firulas. Acha que, por mais que as coisas não tenham acontecido como você idealizou, 2010 foi um ano que te deixou mais maduro para chegar ao Arsenal?
Realidade virtual: na tela da TV, Wellington se divide
Com certeza. Passei por vários problemas, mas mantive minha cabeça no lugar. Sempre estive tranquilo e consciente do que estava fazendo. O Cuca, por exemplo, é um ótimo treinador e sempre conversou comigo. Ao contrário do Muricy, que só fala o básico, o “bom dia” e o “boa tarde”. O ano foi complicado, mas me ensinou muito.
E sobre esse individualismo? É algo que você procurou mudar?
Nunca abusei de nada nem de ninguém. Continuei a fazer, ou tentar fazer, o que sempre fiz na base: o simples e o certo.
Você tem dois exemplos bem sucedidos da sua geração, que são Neymar e o Phillippe Coutinho. São dois espelhos para você? E você costumar trocar ideias com eles?
Estive com eles no Mundial sub-17, a Seleção não foi bem, mas aprendemos bastante. Foi uma experiência importante. Atualmente não tenho muito contato com eles. Pelo MSN, quando os vejo, pergunto como estão e fico feliz por vê-los bem. Com certeza quero ficar como eles.
Você está indo para Londres, que é a sede da próxima Olimpíada. Estar nos Jogos de 2012 é uma meta para você?
Seleção é o sonho de todo mundo. Ainda mais para um jovem como eu. Só que preciso ir devagar. Não adianta pensar nisso se nem cheguei ao Arsenal ainda. Esse é o primeiro passo.
Ainda é algo muito precoce, mas essa falta de oportunidades este ano já faz com que você planeje lá no futuro um retorno para, enfim, retribuir em campo tudo que o Fluminense fez por você?
Não sei. Sempre estive no Fluminense, sempre fiz de tudo pelo clube, e acho que merecia um pouco mais de atenção e carinho. Só que se eles acharam que as coisas deviam acontecer assim, não vou reclamar. Sempre só agradeci, mesmo que por pequenas coisas. Mas é um clube que vou pensar no futuro, antes de parar de jogar bola. É uma preferência.
Mas você vai embora com alguma dívida de gratidão?
Wellington Silva treina observado por Muricy ainda
Não. Minha parte eu sempre procurei fazer. Se o clube não me aproveitou, não tenho culpa. Só vou triste por deixar meus amigos aqui.
A saída precoce de jovens promessas da base do Fluminense é algo recorrente nos últimos anos. Só em 2010, além de você, o Alan, o Dalton e o Maicon também foram embora. Acha que falta uma atenção especial do clube com vocês?
Com certeza. Quem já está no clube há anos, desde pequeno, precisa de um carinho no profissional, um respeito maior, mesmo que não jogue. Sempre procuramos fazer de tudo pelo clube, nos esforçamos, trabalhamos... Mas é assim, eles fazem muitas contratações e acaba não sobrando espaço.
No videogame você já aplicou várias goleadas com a camisa do Arsenal durante a entrevista. Já está se sentindo em casa...
No videogame é mole. Se for assim lá, vou começar voando (risos).
Para encerrar, já dá para mandar algum recado em inglês para a torcida do Fluminense, ou até mesmo do Arsenal?
(Risos) Assim você me quebra. Não vou arriscar, não.
fonte: globo