Recém-saído da arquibancada, mandatário se dá o direito de sonhar com Messi no Flamengo, mas não sem antes resgatar a dignidade do clube
Por Janir Júnior e Richard Souza
Rio de Janeiro
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Ao caminhar pela sede da Gávea, Eduardo Bandeira de Mello procura saber quando Dorival Júnior comandará o primeiro coletivo de 2013. Está ansioso, mas contido como a nova função pede. A arquibancada deu lugar ao gabinete presidencial do Flamengo. O torcedor que sofria, xingava e vibrava foi eleito presidente do clube com passado de glórias, um presente de situação financeira extremamente delicada, mas que se dá o direito de sonhar com um futuro melhor.
- Claro que a nossa expectativa era ter recursos para contratar grandes reforços agora e ao longo do ano. Mas, quando vemos que a situação é complicada, temos que priorizar a nossa dignidade. Então, não vamos fazer nada que sacrifique essa postura de responsabilidade. Tenho tido 99% de manifestações de apoio. É claro que tem gente que queria que eu contratasse o Messi, o Cristiano Ronaldo, mas não dá. Quem sabe ano que vem? - brincou Eduardo Bandeira de Mello.
Na última quinta-feira, o clube anunciou um pacote de contratações: o volante Elias, o meia-atacante Gabriel e o lateral-esquerdo João Paulo. O anúncio só ocorreu depois de o salário de novembro dos jogadores do grupo atual ser quitado. Horas depois da confirmação oficial dos reforços, veio a notícia de que o 13º do elenco também fora depositado.
No sábado, no entanto, a notícia sobre a saída de Vagner Love mexeu com os rubro-negros. Em débito com o atacante e o CSKA, o Flamengo abriu mão de seu principal jogador. Disse a Love que não teria como pagá-lo e nem cumprir o acordo feito com os russos há um ano. Ainda no sábado, o clube convocou uma coletiva para falar sobre o assunto, mas o presidente e o jogador fizeram apenas um pronunciamento. Ambos mostraram desconforto ao falar sobre o rompimento e deixaram a impressão de uma manobra ensaiada.
Em pouco mais de dez dias, o Flamengo de Eduardo e um forte grupo de executivos que tem no front Luiz Eduardo Baptista, o Bap, tenta a construção de um novo clube. Resgate da credibilidade, honra aos compromissos, ciência de que a razão de ser do Flamengo é o futebol, ampla reformulação no quadro funcional, mudanças de diretrizes e um ponto crucial: investimento no até então inerte departamento de marketing.
- O marketing do Flamengo vai ser o carro-chefe da nossa administração, vai ser o que vai nos fazer chegar ao patamar que a torcida do Flamengo merece - afirmou o presidente.
A nova direção começa a arrumar a casa com Eduardo Bandeira de Mello na cadeira presidencial, mas sem deixar de lado o torcedor que tem certezas do grande desafio. E uma dúvida: afinal, que time Dorival vai escalar no coletivo?
Abaixo, o internauta confere os principais trechos da entrevista:
Pouco mais de um mês depois do resultado da eleição, como está a rotina do presidente do Flamengo?
Está difícil, mas temos que encarar. Estava preparado para isso, muda totalmente a sua rotina. Estou de férias no BNDES, então dá para conciliar melhor, mas os primeiros dias realmente são complicados. Mas tudo bem. Entrei nessa e tenho que encarar.
Os dias são complicados. E as noites? Já perdeu alguma noite de sono? Você pegou uma fase de transição com a complicação muito grande que foi a questão das finanças. A penhora no fim do ano passado, que atingiu todos os clubes do Rio, acabou ficando para vocês administrarem. Assustou essa questão financeira?
Ainda está assustando. A situação financeira do Flamengo é bastante complicada, estamos tentando lidar da melhor maneira possível. Vocês me perguntavam o que eu mais temia na época da eleição, e sempre falei que era a situação financeira a curto prazo. Ela é bastante complicada, está nos atrapalhando, mas temos confiança de que com 40 milhões de torcedores consigamos chegar a um bom termo. Mas é claro que no início é bastante complicado.
Já há um diagnóstico inicial do tamanho da dívida?
Estamos há poucos dias, não temos ainda números confiáveis. Contratamos umaempresa de auditoria que deve terminar em cerca de 90 dias. A partir do momento em que tivermos o relatório dessa empresa, vamos ter uma situação mais clara. As últimas contas aprovadas são as de 2010, assim mesmo com ressalvas, então a situação continua indefinida em termos de números reais, concretos. No dia a dia começam as surpresas, as cobranças, as penhoras, e isso é suficiente para vermos que a situação é muito pior do que imaginávamos. Não sabemos ainda exatamente qual é o tamanho da nossa dívida.
Já conseguiram liberar algumas penhoras?
Já conseguimos fazer alguns pagamentos dos parcelamentos que não haviam sido honrados pela administração passada, como a Timemania. Mas isso é o início, ainda temos um longo caminho a percorrer para se chegar a um ponto que possamos dizer que estamos em dia com as pendências da Fazenda nacional. Já começamos. Já tivemos reuniões na Procuradoria da Fazenda, nosso trabalho tem sido muito em cima disso. Meu discurso de posse serviu bastante para abrir caminho para as pessoas entenderem que a postura do Flamengo agora é outra, que é um clube que vai ter postura cidadã. Não vamos atrasar compromissos, não vamos fazer loucuras antes de cumprirmos os compromissos com jogadores, funcionários, fornecedores e com o Governo. É muito fácil você - e isso é uma prática corrente não só no Flamengo, mas em outros clubes e empresas - se financiar através da sonegação e da apropriação indébita. Isso não vamos fazer em momento nenhum.
Qual o recado que poderia dar ao torcedor? Passou uma semana, e os torcedores estavam cobrando reforços. É possível entender isso, que vai dar frutos mais à frente?
Acho que o torcedor já está entendendo isso. Estou até surpreso positivamente com as reações que tenho visto, manifestações nas redes sociais. Tenho impressão que na sua maioria o torcedor do Flamengo está comprando essa ideia de responsabilidade e entende perfeitamente que não adiantaria nada eu chegar agora, não pagar os impostos, atrasar os compromissos com os jogadores, para contratar um grande reforço. Claro que a nossa expectativa era ter recursos para contratar grandes reforços agora e ao longo do ano, mas, quando a gente vê que a situação é complicada, temos que priorizar a nossa dignidade. Então, não vamos fazer nada que sacrifique essa postura de responsabilidade. Tenho tido 99% de manifestações de apoio. É claro que tem gente que queria que eu contratasse o Messi, o Cristiano Ronaldo, mas não dá. Quem sabe ano que vem?
Isso significa que este ano pode ficar comprometido em relação a resultados no futebol? Ou acredita que para o segundo semestre, atraindo investidores, o cenário vai mudar?
Eu acho que não vai ficar comprometido, não. Até porque acredito muito no nosso elenco. O Pelaipe tem passado uma avaliação muito positiva de responsabilidade deles. Acho que um elenco como o do Flamengo, se estiver motivado e bem treinado, não fica a dever a nenhum outro aqui no Rio. Se ficarmos, vamos superar com muita raça, com muito trabalho. Tenho confiança nos jogadores. Acho que, apesar das dificuldades, vamos chegar lá. E é claro que vamos também reforçar o elenco dentro das nossas possibilidades.
Qual foi a impressão do primeiro contato com os jogadores? Há algum tempo o senhor estava na arquibancada, deve até ter xingado algum deles, e agora é o presidente.
Falei exatamente isso, que estava vendo pela primeira vez na qualidade de presidente do clube os jogadores que eu gritava o nome na hora em que entravam em campo. É uma situação diferente. Foi bastante emocionante. Foi um contato muito rápido, pois tinha uma reunião para tratar das dívidas do Flamengo, então consegui falar com eles por cinco, dez minutos, nem deu tempo de ver a reação deles. Mas depois eu vi através de vocês (imprensa) que foi muito boa. E o Wallim (vice de futebol) falou, o Pelaipe (diretor do futebol) também. Estou sentindo que eles estão conscientes de que estamos fazendo e vamos fazer o que for possível para resolver todas as pendências. A resposta que tive foi a melhor possível. Seria diferente se saíssemos dizendo que vamos contratar o Robinho, vamos contratar o fulano, e isso comprometer o pouco que temos para acertar a vida com eles e com o governo, com os impostos. Não podemos ficar nessa situação de sonegadores. Podem ter certeza que isso não faremos nunca mais.
É normal quando se chega numa empresa fazer alguns cortes, mudanças, demissões. O Flamengo está organizando a casa?
Esses ajustes têm que ser feitos. Chegamos aqui e encontramos uma situação de déficit. Temos que agir do lado da receita e do lado da despesa. Do lado da receita, o Bap está trabalhando, tentando buscar patrocínios, parcerias, sócio-torcedor mais na frente. Tudo isso vai nos ajudar muito pelo lado da receita. Pelo lado da despesa, nós temos que ter uma administração austera, até para dar o exemplo. Não podemos manter uma situação que é irreal, pois no final não vamos conseguir pagar ninguém.
Qual sua avaliação sobre o início de trabalho do diretor de futebol Paulo Pelaipe?
É a melhor possível. Quando conversamos com ele antes de ser contratado, eu já tinha uma excelente impressão. Agora com o contato diário só posso dizer que a surpresa foi melhor ainda. Tem sido um parceiro nosso, uma pessoa que tem experiência no futebol muito maior do que todos nós. Acho que ele tem uma relação excelente com o jogador e com o treinador. Realmente foi uma grande contratação.
Falando da parte pessoal, a pressão começa em casa, né? Tem alguma artimanha para não falar para os três filhos rubro-negros o nome de algum reforço?
Eles já estão sabendo que eu não libero essa informação nem em casa. Só se eu falar dormindo (risos). Mas eles já nem perguntam mais, nem minha mulher. Todos são rubro-negros e entendem perfeitamente.
Mas estão curtindo?
Estão curtindo, participaram da campanha. Os três e minha mulher. Foi uma festa familiar e estão me ajudando muito.
A relação com os amigos rubro-negros mudou muito?
Eu sempre fui aquele rubro-negro notório, todos sabiam que eu era Flamengo doente. Muitas vezes quando o Flamengo perdia eu estava no elevador do banco e as pessoas vinham falar comigo como se eu tivesse jogado, como se fosse treinador. Agora como presidente passo a ter responsabilidade. Mudou nesse sentido, ficou muito mais intenso. Pessoas que nem eram tão próximas chegam para conversar, dizem para eu contratar fulano, mandar fulano embora. Isso muda. Mas isso é muito bom, inclusive.
E é só o começo, né? Está preparado para batalha, que é longa e árdua?
Estamos preparados, sim. No final de três anos isso vai estar muito melhor. Podem ter certeza.
Até quando você vai trabalhar no BNDES?
Formalmente só devo me desligar do banco em junho, mas tenho alguns meses de férias para tirar e vou conseguir administrar isso. Só quero terminar os trabalhos que comecei, não gosto de deixar inacabados, então vai dar para conciliar. Vou me dividir nos cinco meses que faltam, mas com alguns períodos de férias não haverá problema.
Na época da campanha você diagnosticava o cenário do marketing do clube de uma forma negativa. Já há avanços no setor?
O marketing do Flamengo vai ser o carro-chefe da nossa administração, vai ser o que vai nos fazer chegar no patamar que a torcida do Flamengo merece. O Bap é um craque, a equipe é excelente, todos os planos que está desenvolvendo agora quando estiverem concretizados o Flamengo será outro. Só não posso adiantar nada porque envolve sigilo, mas tem muita coisa boa vindo por aí.
A nova diretoria tem tentado manter tudo em sigilo. É uma preocupação sua?
No tempo em que era torcedor, já me iludi muito com falsas promessas, com intenções. Ficava contabilizando aquele jogador no ataque do Flamengo. Depois, não vinha. Não deu porque faltou isso, faltou aquilo. Não queremos cometer o mesmo erro. Só vamos divulgar contratações quando estiverem concretizadas. E nesses casos de marketing, de parceria, é natural. No mundo empresarial você não sai propagandeando o que vai fazer, até porque você perde força numa negociação.
FONTE: GLOBO