Time mais famoso do futebol dos Estados Unidos ainda usa Pelé como garoto-propaganda, mas recomeça sem estrelas e com pés no chão
Por Camilo Pinheiro Machado
Especial para o GLOBOESPORTE.COM, em Nova York
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Pelé fez sua última despedida dos gramados (depois de adeus por Santos e Seleção) no dia 1º de outubro de 1977 com a camisa do New York Cosmos. Hoje, quase 36 anos depois, as faixas promocionais do clube americano ainda estampam o Rei do Futebol com a camisa verde do time, na maioria delas, comemorando algum gol com aquele soco no ar característico.
O NY Cosmos está de volta ao futebol profissional nos Estados Unidos, pela NASL (liga secundária do país, abaixo da MLS), apostando na nostálgica referência do supertime que montou na década de 70 com Franz Beckenbauer, Carlos Alberto Torres e Pelé. Estes até compareceram em Nova York recentemente para solenidades que marcaram o retorno do time.
Carlos Alberto Torres, capitão da Seleção do tri em 1970 e também do Cosmos entre 1977 e 1982, fala com entusiasmo sobre a volta do time de NY:
- Eles estão plantando o time para daqui a dois anos. Pagaram US$ 75 milhões (R$ 171 milhões) para jogar. Fui lá. No primeiro jogo, lotamos o estádio. As tendas fora do estádio vendiam itens do clube. Não sobrou nada, eles venderam tudo. Isso é profissionalismo. Eles querem contratar um grande jogador para 2014 e uma estrela para 2015.
Na verdade, um grande jogador o Cosmos já tem. Se nos áureos tempos, a grande estrela era Pelé com sua camisa 10, hoje o principal jogador nesse Cosmos que se reconstrói é também brasileiro (naturalizado espanhol): Marcos Senna, que veste a 19. Seria uma tímida tentativa aritmética de se colocar ao lado do Rei do Futebol (1 + 9 = 10)?
- Nada. (risos). Eu sempre joguei com a camisa 19! Quando eu cheguei no Villarreal, o diretor tinha me dito para eu não usar a 19 porque era um número amaldiçoado no clube, já que os dois últimos jogadores com esse número tinham se machucado feio. Eu insisti na camisa 19 e com seis meses de clube estourei meu joelho! (risos) Mas depois deu tudo certo e consegui até fazer parte da seleção espanhola, ganhar a Eurocopa com eles (em 2008).
Senna fez tanto sucesso no Villarreal que se transformou no “espanhol Marcos Senna”. Conseguiu a dupla cidadania, defendeu a Fúria na Copa do Mundo de 2006 e conquistou o título da Eurocopa em 2008 como titular, formando o meio-campo com Xavi e Iniesta.
Depois de 11 anos no Villarreal, Senna é hoje um jogador realizado. Completou 37 anos de idade e pensa mais na família do que na visibilidade do seu futebol. Mora com sua esposa e dois filhos em um confortável e pacato condomínio de casas em Long Island.
- Você coloca na balança muitas coisas. Estou pensando no futuro da minha família. A qualidade de vida na Europa era maravilhosa, eu queria seguir com esse ritmo. E quando veio essa oportunidade de morar nos Estados Unidos, eu considerei que era ótimo para mim e para minha família, porque meus filhos podem crescer com uma educação muito boa aqui, algo que eu mesmo nunca tive e posso proporcionar para eles. Isso para mim é fantástico.
Marcos Senna também aproveita com a família a vasta oferta de atrações em Nova York.
- Já demos uns passeios, claro. Muito legal! Estivemos em Manhattan algumas vezes. Fomos no espetáculo do Rei Leão na Broadway, espetacular! Aqui todos os dias tem uma atração diferente para você aproveitar.
A cidade tem seus encantos, mas nem Marcos Senna nem o Cosmos estão a passeio no projeto que recoloca o clube no futebol profissional. O time que fez sucesso nos anos 70 e 80 agora volta ao futebol apoiado em gigantes do mercado publicitário, como a companhia aérea Emirates e a Nike.
- Planejamos um crescimento sustentável para a equipe, passo a passo. Primeiro nos cercamos de uma equipe profissional fora de campo e aos poucos vamos reforçando o time. Nesse começo, jogaremos no mesmo estádio em que jogávamos na década de 70 (Hofstra Stadium), com capacidade para 13 mil pessoas. Não podemos tentar crescer mais do que podemos - diz o diretor-executivo Eric Stover.
O discurso consciente do cartola não esconde projetos mais ambiciosos, como o plano de construção de uma moderna arena com capacidade para 25 mil torcedores.
- O projeto do estádio é viável e necessário - garante Stover.
E é natural pensar que o Cosmos tem planos também para ingressar na MLS (Major League Soccer), principal liga profissional de futebol nos Estados Unidos, mas o diretor do Cosmos prefere, por ora, valorizar a NASL (North-American Soccer League).
- Não pensamos e nem falamos sobre MLS por aqui. Acreditamos muito no potencial de crescimento da NASL, e mais: sabemos que a marca Cosmos é conhecida em todo o mundo, não precisamos mudar de Liga para conseguirmos nossos objetivos.
A primeira meta é conquistar o campeonato desse ano. O Cosmos ainda procura engrenar na competição - está na quarta posição, com nove pontos em seis partidas -, mas Marcos Senna está satisfeito com o time em campo.
- Eu não conhecia o nível do campeonato e gostei da liga e do time. Gosto da maneira que se joga aqui, no toque de bola, se encaixa ao meu perfil. Aqui tem muitos meninos jovens que jogariam bem em times brasileiros sim, e na Europa também.
Senna está há dois meses em Nova York, mas ainda não fala inglês. Ao menos em campo, não é necessário. Em um treino do Cosmos é possível ouvir embaralhados em gritos o inglês, o espanhol e até o português. O técnico Giovanni Savaressi, venezuelano, fala as três línguas.
- Nós falamos espanhol, mas de vez em quando aproveito para exercitar meu português com ele (Marcos Senna) - responde o técnico, em um simpático portunhol.
"Coach Gio", como é conhecido Giovanni nos Estados Unidos, ama o futebol do Brasil e além de Marcos Senna em seu meio-campo, agora tem também a ajuda de um outro brasileiro, o zagueiro Rovérsio, de 29 anos. O jogador veio do Orduspor, da Turquia, e já teve passagens por Betis e Osasuna, da Espanha, além do Santa Cruz.
- Tive alguns problemas na Turquia e na Espanha com salários atrasados e sempre tive curiosidade sobre a liga aqui nos Estados Unidos, e de viver no país também. Recebi a proposta e vim. A tendência é que o futebol por aqui cresça cada vez mais e vire uma opção de mercado para o jogador brasileiro. Para mim, já virou – comemora Rovérsio.
O futebol nos Estados Unidos se tornou uma realidade para o Rovérsio e mais 36 jogadores brasileiros que disputam as duas ligas profissionais do país (NASL e MLS).
- Sinto-me um privilegiado. Estou numa cidade maravilhosa com um time muito bom. Esse foi mais um trem passando na minha vida e eu achei que tinha que subir nele - completa Marcos Senna.
O torcedor do New York Cosmos, time mais popular da história dos Estados Unidos, agora retira suas bandeiras do porão, busca as camisas verdes e brancas do armário e vai ao estádio torcer mais uma vez por brasileiros em uma cidade que pouco a pouco vai falando a língua do futebol.
fonte: globo