Documento mostra cheque de R$ 32 mil para office boy, pagamentos nebulosos e caos financeiro. Confira a 2ª parte do relatório da auditoria
Por Tamires Fukutani e Thiago Pereira
Salvador
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Pagamentos sem comprovação, antecipação de valores para funcionários que não foram debitados em folha e quantias a receber que estão atrasadas desde 2010. Transações obscuras, venda de diretos econômicos de jogadores como Anderson Talisca – negociação que não foi divulgada – e R$ 1 milhão a menos em valores recebidos da Arena Fonte Nova.
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A auditoria realizada no Bahia após a queda de Marcelo Guimarães Filho, destituído por decisão judicial no último mês de julho, revelou que o Tricolor vive um caos administrativo. A situação é alarmante, com potencial para prejudicar as futuras administrações do clube. E, para desamparo do torcedor, o relatório divulgado se mostra apenas a ponta do iceberg, uma pincelada que revela as primeiras nuances de um Bahia esfacelado financeiramente.
O GLOBOESPORTE.COM teve acesso ao relatório. Confira a segunda parte da análise do relatório da auditoria realizada no Bahia.
- O ambiente geral de controle interno do Esporte Clube Bahia é bastante deficiente, não existindo políticas, normas e procedimentos formalizados que garantam o adequado controle e registro das operações e, particularmente, que garantam a elaboração de informações contábeis fidedignas – diz o documento logo em suas primeiras páginas.
Realizada entre 30 de julho e 7 de setembro deste ano, a auditoria investigou as contas e negociações realizadas pelo clube de janeiro de 2012 a junho deste ano, período que compreende o segundo mandato de Marcelo Guimarães Filho. O relatório foi construído com base em informações colhidas no clube e junto a alguns funcionários da agremiação. Segundo o documento, dificuldades impediram a construção de uma análise mais profunda e completa acerca do real quadro administrativo tricolor.
O ex-presidente Marcelo Guimarães Filho foi procurado pela equipe de reportagem, mas não foi encontrado. O irmão do cartola, que se identificou como Marcos, atendeu a ligação do GLOBOESPORTE.COM e disse que MGF só poderia falar na manhã desta sexta-feira. O ex-dirigente tricolor evita dar entrevistas desde que deixou o clube.
Dívidas e mais dívidas
Segundo o relatório da auditoria, o Bahia tem um futuro econômico comprometido. Somente nos primeiros seis meses deste ano, o clube acumulou R$ 20 milhões em dívidas. O documento aponta que o Tricolor possui um patrimônio líquido contábil negativo, ou seja, possui obrigações em valores superiores aos seus bens. O endividamento global do clube é de R$ 83 milhões. Contudo, levando em consideração informações ainda não registradas contabilmente, o valor das dívidas chega à impressionante cifra de R$ 132 milhões.
- O Esporte Clube Bahia possui um endividamento global que, se não for tempestivamente equacionado, aumentará aos atuais problemas de liquidez (incapacidade de pagar suas obrigações) que podem até vir a comprometer a continuidade operacional da Entidade. (...) O balanço patrimonial do ECB indica a existência de obrigações no valor de R$ 23.389.907, decorrentes de retenções na fonte de impostos e contribuições sociais que não foram recolhidas. Este fato, legalmente caracterizado como apropriação indébita, representa um ato ilício que pode acarretar graves penalidades para a Entidade e seus dirigentes – afirma.
Para piorar a situação financeira do clube, a antiga gestão antecipou o valor de R$ 40 milhões relativo a bônus de contratos de direitos de transmissão de partidas para a TV para os exercícios de 2012 a 2018. Empréstimos bancários assumidos pela administração MGF comprometem futuros contratos para a transmissão de jogos, já que utilizam esses acordos como garantia de pagamento.
- É certo que nos exercícios vindouros haverá custos operacionais (salários e outras despesas) que não contarão mais com estes recursos para financiá-los. (...) O balanço patrimonial em 30 de junho de 2013 indica a existência de empréstimos bancários no valor de R$ 7.710.821. Estes empréstimos possuem garantias de liquidação através de vínculo com os valores a receber no futuro, decorrentes dos contratos de Direito de Transmissão de Imagem. (...) Ou seja, os recebimentos decorrentes serão primariamente utilizados para liquidar os empréstimos bancários – diz o documento.
O relatório também aponta a existência de valores que o Bahia tem a receber, alguns de contratos firmados há três anos e que ainda não foram convertidos em dinheiro para as contas do clube.
- O balanço patrimonial indica a existência de valores a receber relevantes, referentes a adiantamentos a supostos fornecedores ou terceiros, no valor de R$ 3.169.152 alguns deles pendentes de liquidação desde 2010, para os quais não conseguimos identificar documentação – aponta.
As dívidas que o clube já possui tornam a tarefa de administrar o Bahia em um jogo de gato e rato. Para conseguir pagar o que deve, os dirigentes do Tricolor precisam retirar o dinheiro das contas bancárias para evitar que os valores sejam bloqueados pela Justiça. A prática foi realizada pelo interventor Carlos Rátis, que precisou sair às pressas de uma entrevista concedida ao GLOBOESPORTE.COM no último mês de agosto para conseguir ter dinheiro a fim de quitar as contas da agremiação.
- Existe a prática rotineira do clube em emitir cheques administrativos para retirar o dinheiro da conta, antes do fechamento das agências bancárias para posterior depósito no dia seguinte. Este procedimento tem por objetivo evitar que o recurso que entre na conta bancária seja bloqueado.
O clube possui ainda várias obrigações atrasadas com funcionários e valores a serem pagos para pessoas que já não estão na agremiação e ganharam ações na Justiça Trabalhista.
- Em relação às dívidas trabalhistas existem passivos de rescisões, salários, férias, obrigações sociais e direito de imagem de jogadores em atraso. Além disto, existem acordos com a Justiça Trabalhista para pagamentos de diversos processos judiciais que já foram julgados com desfecho desfavorável ao Clube – pontua.
Fazendão e Cidade Tricolor
Ao anunciar que o Bahia deixaria o Fazendão rumo à Cidade Tricolor, em Dias D’Ávila, o ex-presidente Marcelo Guimarães Filho afirmou que o clube abriria mão do antigo centro de treinamento e arcaria com R$ 4 milhões para a realização da obra. No entanto, o relatório da auditoria revela que o Esquadrão precisará pagar mais do que o aprovado em assembleia geral para dispor de um novo CT.
De acordo com a auditoria, no contrato firmado entre Bahia e OAS, empresa responsável pela construção da Cidade Tricolor, o clube precisará ceder cerca de R$ 9 milhões em Transcon (Transferência do Direito de Construir) para oficializar a troca do centro de treinamento.
- No aditivo contratual ao Protocolo de Intenções e Outras Avenças firmado com a OAS para a venda do novo Fazendão e aquisição do novo Centro de Treinamento, o Esporte Clube Bahia se compromete a ceder o equivalente a 8.038 m² de Transcon (...) que deverão, portanto, corresponder a 18.667,26 INCC’s – base fevereiro/2013 ou R$ 9.875.521,89. Esta cessão ainda não foi concretizada, pois a referida aquisição ainda não foi formalizada – declara a auditoria.
A Transcon que o clube possui é resultado da desapropriação da sede de praia, que ficava localizada no bairro da Boca do Rio, em Salvador, e foi totalmente demolida neste ano pela prefeitura da capital baiana.
Negócios obscuros
A auditoria encontrou dificuldades para localizar destinatários de valores que saíram das contas do Bahia. Conforme o relatório, a “administração do Esporte Clube Bahia vem realizando frequentes pagamentos em dinheiro ou com cheques ao portador, de valores relevantes, o que enfraquece substancialmente os controles e aumenta significativamente o risco de existência de irregularidades”.
Entre as saídas de ‘valores relevantes’, estão as emissões de dois recibos de R$ 30 mil (16/06/2012 e 04/07/12) com o histórico de ‘Adiantamento para Terceiros’. Os documentos não possuem informações sobre nome do fornecedor, tipo de serviço prestado, período e local da prestação desses serviços. Os recibos possuem apenas a assinatura do Setor Financeiro do clube.
Os auditores encontraram notas fiscais sem descrição detalhada do serviço prestado. Algumas traziam apenas a identificação de ‘Serviços de Consultoria Diversos’. A investigação ainda apurou que faltam evidências para comprovar a efetiva prestação dos serviços ou entrega de materiais que originaram as notas.
Também foi revelado pela auditoria que jogadores receberam, no ano passado, premiações que deveriam ser debitadas posteriormente nos vencimentos e, depois, acabaram recebendo o salário de forma integral.
- Os adiantamentos concedidos a premiações referem-se a gratificações aos jogadores que posteriormente são descontados em folha de pagamento. Não obtivemos composição dos salvos em 30/06/2013, porém verificamos na composição de 31/12/2012 que existem valores antigos, desde 2011, onde foram pagos adiantamentos sem posterior desconto em folha de pagamento – atesta.
Foi avaliado ainda que o clube pagou o imposto de renda do funcionário Sérgio Beserra, também conhecido como Kabrocha, em maio de 2012. O valor foi de R$ 3.652,29. Em junho do mesmo ano, valor idêntico foi depositado na conta do Bahia, sem, contudo, existir qualquer documento comprovando a respectiva devolução.
O relatório expõe também situações fora do comum, como uma ordem de pagamento nominal no valor de R$ 32 mil emitida para um office boy do clube.
Dificuldades e ponta do iceberg
Por mais de um mês, os auditores não tiveram acesso aos balancetes da temporada 2013. As informações contábeis deste ano só chegaram às mãos dos responsáveis pela devassa nas contas do clube no último dia de investigações, na véspera do processo eleitoral que elegeu Fernando Schmidt para o mandato tampão. A auditoria não obteve a relação de processos judiciais e administrativos em que o Bahia é a parte ativa ou passiva. Para completar, as deficiências estruturais existentes no Tricolor impediram a localização da documentação relativa ao suporte das operações financeiras de pagamentos no período apurado.
Mesmo revelador, o relatório destaca que obteve informações com base em amostragens esporádicas. Uma investigação mais profunda poderia identificar o real quadro administrativo do Bahia e o que os próximos presidentes do clube precisarão enfrentar para arrumar a bagunça.
- Em virtude do nosso trabalho ter sido realizado com base em testes seletivos, sobre aspectos que tenham impacto relevante sobre a compreensão/avaliação da situação econômico e financeira do Esporte Clube Bahia, bem como sobre sua estrutura de gestão operações, é possível que em trabalhos especiais que tenham maior profundidade, venham a serem reveladas outras áreas passíveis de melhoria ou de observações pertinentes – frisa o relatório.
Fernando Schmidt promete ir 'às últimas consequências'
De São Paulo, o presidente do Bahia, Fernando Schmidt, conversou com o comentarista da TV Bahia Darino Sena nesta quinta-feira. O dirigente comentou o relatório apresentado pela auditoria e revelou quais pontos contidos no documento considera mais graves.
- Quero ressaltar que o relatório entregue pela firma de auditoria não é ainda o final. Mas o que já foi relatado é verdadeiramente estarrecedor. A primeira providência que vou tomar é enviar ao MPF, MPE, para que eles examinem as questões que lá estão. Estão relatados ali ilícitos penais, como apropriação indébita, além de outras atitudes que indicam a possibilidade de gestão temerária ou fraudulenta. Não vamos nos conformar em simplesmente ver isso divulgado e providência nenhuma ser tomada. Vamos às últimas consequências - disse.
- Apropriação indébita é um ilícito penal. A pessoa que pratica isso responde, inclusive, com seu patrimônio sobre essa lesão tanto ao fisco federal como ao fisco estadual. Ninguém pode reter dos outros parte de seu salário e não cumprir a obrigação de fazer o recolhimento devido para o qual foi feita esta retenção. E o enorme número de cheques ao portador ou pagamentos em dinheiro sem recibos, sem datas, que foram denunciados, elencados neste relatório. Que dinheiro é esse? Quem pagou? Pagou para quem? Com que objetivo? Para realizar que tipo de serviço? Esses serviços foram realizados? Tudo isso precisa ser respondido - completou.
O presidente ainda comentou os itens do documento que ele considera como apropriação indébita e voltou a prometer que vai 'às últimas consequências' neste caso.
- A retenção de INSS, por exemplo. Clube tem a obrigação de fazer essa retenção para, posteriormente, promover o recolhimento. Isso não foi feito. Para onde foi o dinheiro? Além de estarrecido, estou indignado. Agora não sou homem de ficar apenas da indignação. Vou levar essa questão às últimas consequências.
O dirigente vai conceder entrevista coletiva na próxima terça-feira para falar sobre a auditoria realizada no clube e revelar detalhes sobre o relatório apresentado.
fonte: globo