quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Brasil Afora: celeiro de treinadores, Campo Grande tenta se reerguer

Primeiro clube de Luxemburgo, campeão da Taça de Prata de 1982 conta com apoio de Valdir Bigode para driblar o ostracismo no cenário nacional

Por Renata Domingues Rio de Janeiro

Troféu. Campo Grande Atlético Clube
A Taça de Prata de 82, maior conquista do Campo
Grande (Foto: divulgação / site oficial do clube)

Há 28 anos, o Campo Grande Atlético Clube comemorava o seu maior feito: o título da Taça de Prata de 1982, campeonato equivalente à Série B do Brasileirão. Foi um tempo bom. Os bailes e as piscinas do clube alvinegro viviam cheios, assim como a arquibancada do estádio Ítalo del Cima. A história atual, porém, é bem diferente. O bairro de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, cresceu e hoje abriga mais de 800 mil habitantes. Mas o clube local, fundado em 1940 e profissionalizado em 1962, ao contrário, se apequenou ao ponto de praticamente desaparecer do cenário do futebol nacional.

Conheça estrutura e história do Campo Grande em fotos

Na luta para mudar essa triste realidade, o maior rival do Bangu ganhou o reforço de Valdir Bigode. Revelado nas categorias de base do clube, o ex-atacante de Vasco, São Paulo, Botafogo e Atlético-MG retornou no início deste ano para ajudar a reerguer o Campusca. Aos 38 anos, ele conheceu o presidente João Ellis Neto no pequeno centro de treinamento que possui no bairro e estreou como técnico na Série C do Campeonato Carioca. Com um time formado às pressas em uma peneira, conseguiu boa campanha, mas foi eliminado. Agora, com o futebol parado até o ano que vem, atua como “uma espécie de administrador”.

Valdir Bigode e preparador físico André Silva. Campo Grande
Valdir Bigode (à esquerda) iniciou no clube carreira
de treinador e manager (Foto: divulgação/site oficial)

- Sou uma pessoa que está tentando buscar parceiros, empresários, pessoas que possam ajudar. Vamos ver se conseguimos uma reforma ou alguma melhora para que o clube possa voltar. Joguei aqui dos 12 aos 16 anos. As palestras que dou para a garotada estão baseadas nisso. Sou um exemplo aqui dentro.Voltei para tentar resgatar o clube - afirmou Valdir, que nasceu em Nova Iguaçu, mas foi criado nas redondezas de Campo Grande.

E Valdir Bigode não foi o único a iniciar a carreira de treinador no Galo - apelido recebido por ter sido o 13º clube a se profissionalizar no Rio de Janeiro. O Campusca se orgulha da alcunha de celeiro de novos talentos, e o principal ícone desta história é Vanderlei Luxemburgo. Hoje um dos principais técnicos do futebol brasileiro, com 31 anos, ele assumiu o time alvinegro para a disputa da Taça de Ouro (Série A do Brasileirão) de 1983. Entre 44 equipes, o Campo Grande, que já tinha feito parte da elite nacional em 1979, ficou em 24º lugar na classificação final.

escudo do Campo GrandeEscudo do Galo da Zona
Oeste (Foto: Reprodução)

- O Campo Grande era um clube que tinha, para aquela época, uma estrutura fantástica. E um time também: Zé Carlos, Orlando Lelé, Neném, Pirulito e Jacenir; Israel, Lulinha e Pingo; Tuchê, Luizinho e Luiz Paulo. Foi campeão da Taça de Prata e fez uma campanha muito boa na Primeira Divisão do Brasileiro comigo. Mas essas equipes foram acabando. Eram de mecenas, de proprietários que tomavam conta deles. Os caras foram morrendo, e os times também - opinou Luxemburgo, mostrando que a passagem pelo Campo Grande ainda está viva em sua memória.

Além de Luxa, Edu Coimbra, irmão de Zico, encerrou a carreira de jogador e começou a de treinador no Campo Grande, em 1981. Depois, treinou o Vasco e até a Seleção Brasileira. Jair Pereira é outro bom exemplo. Já dentro das quatro linhas, Dadá Maravilha surgiu para o futebol na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em 1967, assim como Vagner Love, mais recentemente. Também passaram por lá, porém em fim de carreira, em 1991, Cláudio Adão, Elói e o atual presidente vascaíno, Roberto Dinamite. O treinador PC Gusmão, hoje no Vasco, começou a carreira de goleiro no Campusca.

estádio ítalo del cima do Campo Grande
Maior patrimônio do clube, o estádio Ítalo del Cima, inaugurado em 1960, sofre com a falta de manutenção e necessita de reformas imediatas (Foto: Renata Domingues / Globoesporte.com)

Mas os tempos são outros, e o trabalho de Valdir Bigode no Campo Grande tem encontrado muitas dificuldades. Sem patrocinadores de peso, o clube sobrevive da parceria com pequenas empresas da região - como uma autoescola que utiliza parte do estacionamento do estádio -, da ajuda de colaboradores, como o próprio ex-jogador, e da realização de eventos na sede. O quadro social ainda possui 15 mil pessoas, mas a inadimplência é quase total. Assim, diante desse panorama, Valdir adotou um lema para encarar a Série C carioca: oportunidade. No fim, o acesso não veio, mas muitos atletas foram observados e chamados por outras equipes.

- O Campo Grande hoje sobrevive, não vive. Tem um dinheirinho que entra daqui, outro dali, coisas mínimas e olhe lá. Pagar atletas, nem pensar. A Série C foi na base de oportunidade. Sempre falei a verdade, não tem salário, e reunimos 25 jogadores após uma peneira com quase 300. Hoje um foi para o Equador, três ou quatro estão no Resende e tem um indo para o Qatar. É um número muito bom - constatou.

Ítalo del Cima, um gigante cheio de histórias esquecido na Zona Oeste do Rio

entrada estádio ítalo del cima do Campo Grande
Fachada da sede do Campo Grande, no coração do
bairro (Foto: Renata Domingues/Globoesporte.com)

Fora o fato de revelar talentos e o ‘título’ de primeiro carioca a vencer a Série B do Brasileiro, o Campo Grande também se orgulha de possuir um estádio próprio. Situado na Rua Artur Rios, o Ítalo del Cima já teve capacidade para 25 mil torcedores, e hoje comporta cerca de 18 mil. Inaugurado em abril de 1960, o maior patrimônio do Campusca foi construído em um terreno doado pela família Del Cima. A decisão da Taça de Prata, em abril de 1982, contra o CSA de Alagoas, marcou a história do estádio. O time havia perdido o primeiro jogo, em Maceió, por 4 a 3, e vencido o segundo, em casa, por 2 a 1. Assim, houve a necessidade de uma terceira partida, e, por ter a melhor campanha, o Alvinegro voltou a jogar em seus domínios. E desta vez, diante de 16.842 torcedores, não deixou dúvidas de que merecia a faixa de campeão ao golear o rival por 3 a 0 e encerrar a competição com 78% de aproveitamento, obtidos com 11 vitórias, três empates e apenas duas derrotas em 16 jogos. Décio Esteves comandou o time na conquista.

Curiosamente, outra partida memorável disputada no Ítalo del Cima não teve a participação do Campo Grande, e sim a da dupla Fla-Flu. O Maracanã estava fechado devido à queda de parte da grade da arquibancada na final do Campeonato Brasileiro de 1992, entre Flamengo e Botafogo. Assim, no dia 22 de novembro do mesmo ano, o clássico pelo Campeonato Carioca foi realizado na Zona Oeste. O Tricolor levou a melhor e venceu o Rubro-Negro por 1 a 0, gol de Ézio (veja vídeo ao lado).

E por falar em Estadual, o Campo Grande tem história na competição. A estreia na Primeira Divisão foi em 1962. Desde então, o clube esteve presente em 29 edições, tendo obtido como melhor colocação o quinto lugar, em 1991 - o Flamengo foi o campeão. Em 1980, o time alvinegro aplicou sua maior goleada pelo Carioca: 6 a 0 sobre o extinto ADN-Niterói, no Ítalo del Cima. A última aparição na elite ocorreu em 1995. De lá para cá, o time vem oscilando entre as Séries B e C do Rio de Janeiro.

Mas além de jogos importantes, o estádio do Campusca já abrigou shows de grande porte, como o do grupo Mamonas Assassinas e o da extinta dupla Sandy & Júnior. Cinquenta anos depois da inauguração, sem o laudo de segurança do Corpo de Bombeiros, é um gigante abandonado, pedindo por reformas imediatas. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, esteve no local há pouco tempo e prometeu ajudar a reestruturar o palco do Galo da Zona Oeste, hoje o 98º clube no ranking da CBF.

piscina estádio ítalo del cima do Campo Grande
A natação do Campo Grande segue em atividade
(Foto: Renata Domingues / Globoesporte.com)

Com o futebol profissional parado, o Ítalo del Cima mantém-se aberto apenas para a natação e os treinamentos das divisões de base e do futebol feminino. Este esporte, aliás, coordenado por Dona Inês, já rendeu frutos, como a convocação de atletas para a Seleção Brasileira feminina. As meninas alvinegras sobrevivem há 15 anos sem estrutura, e nem por isso deixam de ganhar títulos para o clube. Vendendo latas e garrafas de refrigerantes, elas foram campeãs do primeiro torneio organizado pela Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro, em 2008.

- O Campo Grande hoje tem um estádio que é o segundo maior particular do Rio, só fica atrás de São Januário, mas precisa de investimento. É curioso que, em um país que tenha o futebol como a grande paixão do povo, exista um clube como o Flamengo, por exemplo, sem estádio. O prefeito prometeu obras aqui, mas só acredito vendo - observou o presidente do Campo Grande, João Ellis Neto.

Seguindo os passos do pai, João Ellis Neto luta pela sobrevivência do Campusca

Criado no Alvinegro, o empresário João Ellis Neto assumiu a presidência após a morte de seu pai, João Ellis Filho, que também foi diretor do departamento de árbitros da Federação do Rio de Janeiro e emprestou seu nome para diversas competições realizadas em todo o estado. Com a propriedade de quem conhece bem a história do clube, o presidente, cujo mandato vai até 2013, tenta explicar a dificuldade que é manter o Campo Grande de pé.

João Ellis Neto, presidente do Campo GrandePresidente do Campo Grande, João Ellis Neto acredita na redenção do clube (Foto: Renata Domingues / Globoesporte.com)

- No interior, todos os clubes têm o investimento da prefeitura. Mas nós, da capital, não podemos contar com esse apoio. O futebol mudou bastante. Hoje é tudo muito profissional. O fato de estarmos afastados do Centro do Rio, na Zona Oeste, também dificulta as coisas. O futebol nunca foi o trem pagador de nada. Sempre a parte social bancava o futebol. Mas hoje, para ter algum retorno, é preciso ter um grande atleta e isso é difícil para os clubes tidos como pequenos, apesar de todos esses atletas terem começado em clubes menores - comentou o dirigente, acrescentando que as novas leis do futebol também prejudicam os clubes formadores de atletas.

Vejo o Campo Grande como uma grande pedra preciosa"
João Ellis Neto

Juntos, João Neto e Valdir Bigode lutam para salvar o Campo Grande. O caminho é longo, mas um exemplo pode ser encontrado bem perto, no rival Bangu, que retornou à elite do futebol carioca, em 2008. Os passos, no entanto, precisam ser dados com cautela para que erros do passado não sejam repetidos. Porque do passado o Galo quer resgatar apenas os momentos de glória para que dias melhores cheguem logo à Zona Oeste do Rio.

- As coisas podem mudar de uma hora para outra, mas temos que ter cuidado até pelos problemas que tivemos no passado. Vejo o Campo Grande como uma grande pedra preciosa, que, de repente, encontra uma máquina que a lapide - filosofou o presidente do Campusca.