Primeiro clube de Luxemburgo, campeão da Taça de Prata de 1982 conta com apoio de Valdir Bigode para driblar o ostracismo no cenário nacional
Grande (Foto: divulgação / site oficial do clube)
Há 28 anos, o Campo Grande Atlético Clube comemorava o seu maior feito: o título da Taça de Prata de 1982, campeonato equivalente à Série B do Brasileirão. Foi um tempo bom. Os bailes e as piscinas do clube alvinegro viviam cheios, assim como a arquibancada do estádio Ítalo del Cima. A história atual, porém, é bem diferente. O bairro de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, cresceu e hoje abriga mais de 800 mil habitantes. Mas o clube local, fundado em 1940 e profissionalizado em 1962, ao contrário, se apequenou ao ponto de praticamente desaparecer do cenário do futebol nacional.
Conheça estrutura e história do Campo Grande em fotos
Na luta para mudar essa triste realidade, o maior rival do Bangu ganhou o reforço de Valdir Bigode. Revelado nas categorias de base do clube, o ex-atacante de Vasco, São Paulo, Botafogo e Atlético-MG retornou no início deste ano para ajudar a reerguer o Campusca. Aos 38 anos, ele conheceu o presidente João Ellis Neto no pequeno centro de treinamento que possui no bairro e estreou como técnico na Série C do Campeonato Carioca. Com um time formado às pressas em uma peneira, conseguiu boa campanha, mas foi eliminado. Agora, com o futebol parado até o ano que vem, atua como “uma espécie de administrador”.
de treinador e manager (Foto: divulgação/site oficial)
- Sou uma pessoa que está tentando buscar parceiros, empresários, pessoas que possam ajudar. Vamos ver se conseguimos uma reforma ou alguma melhora para que o clube possa voltar. Joguei aqui dos 12 aos 16 anos. As palestras que dou para a garotada estão baseadas nisso. Sou um exemplo aqui dentro.Voltei para tentar resgatar o clube - afirmou Valdir, que nasceu em Nova Iguaçu, mas foi criado nas redondezas de Campo Grande.
E Valdir Bigode não foi o único a iniciar a carreira de treinador no Galo - apelido recebido por ter sido o 13º clube a se profissionalizar no Rio de Janeiro. O Campusca se orgulha da alcunha de celeiro de novos talentos, e o principal ícone desta história é Vanderlei Luxemburgo. Hoje um dos principais técnicos do futebol brasileiro, com 31 anos, ele assumiu o time alvinegro para a disputa da Taça de Ouro (Série A do Brasileirão) de 1983. Entre 44 equipes, o Campo Grande, que já tinha feito parte da elite nacional em 1979, ficou em 24º lugar na classificação final.
Oeste (Foto: Reprodução)
- O Campo Grande era um clube que tinha, para aquela época, uma estrutura fantástica. E um time também: Zé Carlos, Orlando Lelé, Neném, Pirulito e Jacenir; Israel, Lulinha e Pingo; Tuchê, Luizinho e Luiz Paulo. Foi campeão da Taça de Prata e fez uma campanha muito boa na Primeira Divisão do Brasileiro comigo. Mas essas equipes foram acabando. Eram de mecenas, de proprietários que tomavam conta deles. Os caras foram morrendo, e os times também - opinou Luxemburgo, mostrando que a passagem pelo Campo Grande ainda está viva em sua memória.
Além de Luxa, Edu Coimbra, irmão de Zico, encerrou a carreira de jogador e começou a de treinador no Campo Grande, em 1981. Depois, treinou o Vasco e até a Seleção Brasileira. Jair Pereira é outro bom exemplo. Já dentro das quatro linhas, Dadá Maravilha surgiu para o futebol na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em 1967, assim como Vagner Love, mais recentemente. Também passaram por lá, porém em fim de carreira, em 1991, Cláudio Adão, Elói e o atual presidente vascaíno, Roberto Dinamite. O treinador PC Gusmão, hoje no Vasco, começou a carreira de goleiro no Campusca.
Maior patrimônio do clube, o estádio Ítalo del Cima, inaugurado em 1960, sofre com a falta de manutenção e necessita de reformas imediatas (Foto: Renata Domingues / Globoesporte.com)
Mas os tempos são outros, e o trabalho de Valdir Bigode no Campo Grande tem encontrado muitas dificuldades. Sem patrocinadores de peso, o clube sobrevive da parceria com pequenas empresas da região - como uma autoescola que utiliza parte do estacionamento do estádio -, da ajuda de colaboradores, como o próprio ex-jogador, e da realização de eventos na sede. O quadro social ainda possui 15 mil pessoas, mas a inadimplência é quase total. Assim, diante desse panorama, Valdir adotou um lema para encarar a Série C carioca: oportunidade. No fim, o acesso não veio, mas muitos atletas foram observados e chamados por outras equipes.
- O Campo Grande hoje sobrevive, não vive. Tem um dinheirinho que entra daqui, outro dali, coisas mínimas e olhe lá. Pagar atletas, nem pensar. A Série C foi na base de oportunidade. Sempre falei a verdade, não tem salário, e reunimos 25 jogadores após uma peneira com quase 300. Hoje um foi para o Equador, três ou quatro estão no Resende e tem um indo para o Qatar. É um número muito bom - constatou.
Ítalo del Cima, um gigante cheio de histórias esquecido na Zona Oeste do Rio
bairro (Foto: Renata Domingues/Globoesporte.com)
Fora o fato de revelar talentos e o ‘título’ de primeiro carioca a vencer a Série B do Brasileiro, o Campo Grande também se orgulha de possuir um estádio próprio. Situado na Rua Artur Rios, o Ítalo del Cima já teve capacidade para 25 mil torcedores, e hoje comporta cerca de 18 mil. Inaugurado em abril de 1960, o maior patrimônio do Campusca foi construído em um terreno doado pela família Del Cima. A decisão da Taça de Prata, em abril de 1982, contra o CSA de Alagoas, marcou a história do estádio. O time havia perdido o primeiro jogo, em Maceió, por 4 a 3, e vencido o segundo, em casa, por 2 a 1. Assim, houve a necessidade de uma terceira partida, e, por ter a melhor campanha, o Alvinegro voltou a jogar em seus domínios. E desta vez, diante de 16.842 torcedores, não deixou dúvidas de que merecia a faixa de campeão ao golear o rival por 3 a 0 e encerrar a competição com 78% de aproveitamento, obtidos com 11 vitórias, três empates e apenas duas derrotas em 16 jogos. Décio Esteves comandou o time na conquista.
Curiosamente, outra partida memorável disputada no Ítalo del Cima não teve a participação do Campo Grande, e sim a da dupla Fla-Flu. O Maracanã estava fechado devido à queda de parte da grade da arquibancada na final do Campeonato Brasileiro de 1992, entre Flamengo e Botafogo. Assim, no dia 22 de novembro do mesmo ano, o clássico pelo Campeonato Carioca foi realizado na Zona Oeste. O Tricolor levou a melhor e venceu o Rubro-Negro por 1 a 0, gol de Ézio (veja vídeo ao lado).
E por falar em Estadual, o Campo Grande tem história na competição. A estreia na Primeira Divisão foi em 1962. Desde então, o clube esteve presente em 29 edições, tendo obtido como melhor colocação o quinto lugar, em 1991 - o Flamengo foi o campeão. Em 1980, o time alvinegro aplicou sua maior goleada pelo Carioca: 6 a 0 sobre o extinto ADN-Niterói, no Ítalo del Cima. A última aparição na elite ocorreu em 1995. De lá para cá, o time vem oscilando entre as Séries B e C do Rio de Janeiro.
Mas além de jogos importantes, o estádio do Campusca já abrigou shows de grande porte, como o do grupo Mamonas Assassinas e o da extinta dupla Sandy & Júnior. Cinquenta anos depois da inauguração, sem o laudo de segurança do Corpo de Bombeiros, é um gigante abandonado, pedindo por reformas imediatas. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, esteve no local há pouco tempo e prometeu ajudar a reestruturar o palco do Galo da Zona Oeste, hoje o 98º clube no ranking da CBF.
(Foto: Renata Domingues / Globoesporte.com)
Com o futebol profissional parado, o Ítalo del Cima mantém-se aberto apenas para a natação e os treinamentos das divisões de base e do futebol feminino. Este esporte, aliás, coordenado por Dona Inês, já rendeu frutos, como a convocação de atletas para a Seleção Brasileira feminina. As meninas alvinegras sobrevivem há 15 anos sem estrutura, e nem por isso deixam de ganhar títulos para o clube. Vendendo latas e garrafas de refrigerantes, elas foram campeãs do primeiro torneio organizado pela Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro, em 2008.
- O Campo Grande hoje tem um estádio que é o segundo maior particular do Rio, só fica atrás de São Januário, mas precisa de investimento. É curioso que, em um país que tenha o futebol como a grande paixão do povo, exista um clube como o Flamengo, por exemplo, sem estádio. O prefeito prometeu obras aqui, mas só acredito vendo - observou o presidente do Campo Grande, João Ellis Neto.
Seguindo os passos do pai, João Ellis Neto luta pela sobrevivência do Campusca
Criado no Alvinegro, o empresário João Ellis Neto assumiu a presidência após a morte de seu pai, João Ellis Filho, que também foi diretor do departamento de árbitros da Federação do Rio de Janeiro e emprestou seu nome para diversas competições realizadas em todo o estado. Com a propriedade de quem conhece bem a história do clube, o presidente, cujo mandato vai até 2013, tenta explicar a dificuldade que é manter o Campo Grande de pé.
- No interior, todos os clubes têm o investimento da prefeitura. Mas nós, da capital, não podemos contar com esse apoio. O futebol mudou bastante. Hoje é tudo muito profissional. O fato de estarmos afastados do Centro do Rio, na Zona Oeste, também dificulta as coisas. O futebol nunca foi o trem pagador de nada. Sempre a parte social bancava o futebol. Mas hoje, para ter algum retorno, é preciso ter um grande atleta e isso é difícil para os clubes tidos como pequenos, apesar de todos esses atletas terem começado em clubes menores - comentou o dirigente, acrescentando que as novas leis do futebol também prejudicam os clubes formadores de atletas.
Juntos, João Neto e Valdir Bigode lutam para salvar o Campo Grande. O caminho é longo, mas um exemplo pode ser encontrado bem perto, no rival Bangu, que retornou à elite do futebol carioca, em 2008. Os passos, no entanto, precisam ser dados com cautela para que erros do passado não sejam repetidos. Porque do passado o Galo quer resgatar apenas os momentos de glória para que dias melhores cheguem logo à Zona Oeste do Rio.
- As coisas podem mudar de uma hora para outra, mas temos que ter cuidado até pelos problemas que tivemos no passado. Vejo o Campo Grande como uma grande pedra preciosa, que, de repente, encontra uma máquina que a lapide - filosofou o presidente do Campusca.