quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Brasil Afora: Bela Vista, de Sete Lagoas, lotou Bernabéu contra o Real

Conheça a história do pequeno clube do interior de Minas Gerais, que encarou o galáctico time de Di Stefano em excursão confusa pela Europa

Por Marco Antônio Astoni Sete Lagoas, MG

time do Bela Vista na EuropaBela Vista posa para foto em amistoso na Europa
(Foto: Arquivo pessoal de Edésio)

Em 1958, na Suécia, o Brasil conquistou sua primeira Copa do Mundo e fez o planeta se encantar com o futebol vistoso de Pelé, Garrincha, Didi, Vavá e companhia. O que fez o Real Madrid, então tricampeão europeu, convidar o campeão brasileiro daquele ano para um amistoso no grandioso estádio Santiago Bernabéu. Com toda a publicidade feita – por cartazes, comerciais em programas de rádio e em carros de som pela cidade –, o estádio abriu suas portas para um público de aproximadamente 80 mil pessoas, que viu o esquadrão de Di Stéfano, Puskas, Gento, Kopa, Santamaria e Rial enfrentar aqueles que supunham ser o melhor time do Brasil. E em uma tarde fria do outono espanhol, eis que surge no gramado a brava equipe brasileira, formada por: Ademar; Isaías, Gaia, Toledo e Edésio; Salvatore, Murilinho, Waldir Nenezão e Assis; Marinho e Baiano. Comandando o time, no banco de reservas, o técnico Orlando Rodrigues... do Bela Vista!

Quem? Se os brasileiros presentes ao estádio não faziam ideia de quem estava no time, imaginem os espanhóis. A dúvida tinha razão de ser. Afinal, o time de camisas verdes em campo era o desconhecido Bela Vista Futebol Clube, de Sete Lagoas, cidade a 70 quilômetros de Belo Horizonte. Diferentemente do Santos de Pelé, do Botafogo de Garrincha ou mesmo dos colegas de estado Atlético-MG e Cruzeiro, um clube sem glórias. O time só disputaria seu primeiro Campeonato Mineiro na volta da viagem à Europa.

Empresário

Assim como hoje, os empresários já atuavam no futebol. E o Brasil, distante da Europa, era um prato cheio para os grandes golpes em uma época sem internet e com comunicação precária. Um tal Fauszlinger, que a maioria supunha ser alemão e desconhecia o primeiro nome, acertou 30 jogos para o Bela Vista na Europa, com cota razoável para o time mineiro. Com isso, apresentar o desconhecido clube de Sete Lagoas como campeão brasileiro era golpe fácil de aplicar, se feito de forma rápida e eficaz. Fauszlinger, após acertar o jogo com o Real Madrid, fez grande campanha pela cidade e conseguiu mobilizar a opinião pública e lotar o Santiago Bernabéu.

Mas o fato é que o Bela Vista não se intimidou e não fez feio. O jogo foi duro, e os merengues só venceram por 2 a 1, com um gol marcado por Gento nos minutos finais. Não se sabe se os bicampeões europeus jogaram receosos por enfrentarem o 'campeão brasileiro' ou se o Bela Vista realmente deu trabalho ao poderoso Real Madrid.

Aventura na Europa

Após o bom desempenho frente aos espanhóis, o Bela Vista seguiu para a França, onde os problemas da delegação na Europa começaram. Depois da derrota por 3 a 1 para o Olympique, em Marselha, alguns diretores do clube e o técnico Orlando Rodrigues foram ao hipódromo da cidade, de onde saíram apenas por poucas horas nas semanas seguintes. Com comando esfacelado, excesso de partidas marcadas e jogadores soltos em um mundo totalmente desconhecido e repleto de prazeres, a derrocada do Bela Vista em gramados europeus era questão de tempo.

O time ainda tinha jogos marcados na Itália, Suíça, Alemanha Ocidental, Alemanha Oriental, Holanda, Dinamarca e Inglaterra. E cumpriu a maioria deles, mesmo com baixas no elenco. Os jogadores Assis e Marinho, por exemplo, aceitaram propostas de times europeus e deixaram a delegação.

jogos do time do Bela Vista na EuropaRelação de partidas do Bela Vista, de Sete Lagoas, na Europa (Foto: Arquivo pessoal de Edésio)

Mesmo com todos os percalços, o Bela Vista seguiu pelo velho continente, fazendo jogos duros com times tradicionais, como Grasshoper, da Suíça (1 a 1), Bologna, da Itália (2 a 3) e Hamburgo, da Alemanha (0 a 1).

O golpe fatal ao nome do clube veio na partida contra o Newcastle, da Inglaterra, no St. James Park. Totalmente desfigurado e com o zagueiro Gaia fazendo as vezes de técnico, roupeiro e capitão, o time sofreu impiedosos 12 a 1. A goleada gerou preocupações no CND (Conselho Nacional de Desportos) e no próprio Itamaraty, que exigiram a volta do Bela Vista ao Brasil, para não 'sujar o nome do futebol brasileiro no exterior'.

O Bela Vista ainda fez mais quatro jogos – quatro derrotas – antes de voltar ao Brasil para a disputa do Campeonato Mineiro de 1958. Na bagagem, um saldo de 24 jogos, com três vitórias, dois empates e 19 derrotas. O time fez 29 gols e sofreu 74 em gramados europeus.

Testemunha

Seu Edésio ex-jogador do Bela VistaSeu Edésio, ex-jogador do Bela Vista
(Foto: Rodrigo Fuscaldi / Globoesporte.com)

O lateral-esquerdo Edésio chegou ao Bela Vista especialmente para a excursão à Europa. E, curiosamente, nunca mais deixou Sete Lagoas.

Nascido em Barra do Piraí, interior do Rio de Janeiro, começou a carreira no Royal, de sua cidade natal. Depois passou por América-RJ e Vasco, onde jogou ao lado de grandes nomes do futebol brasileiro, como o goleiro Pompeia e o zagueiro Djalma Dias, campeões cariocas em 1960, e Ademir Menezes, artilheiro da Copa do Mundo de 1950, já em fim de carreira.

Funcionário aposentado da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Edésio se lembra com detalhes da viagem à Europa.

- A gente viajou em um bimotor da Panair. Parou em Dacar, seguiu para Portugal, e, de lá, direto pra Espanha. Fomos todos para uma tourada, bem interessante. Lembro-me também de quando estávamos na Alemanha, perto do Muro de Berlim. Havia fotos de várias pessoas que morreram na guerra e no meio delas tinha uma do Garrincha, que ocupava um lugar central. E todo mundo parava para olhar.

O ex-jogador também se lembra bem da partida contra o Real Madrid.

- Foi uma surpresa. O estádio estava lotado. E todo mundo na cidade só falava do jogo. Fomos recebidos como os reis do futebol. E por muito pouco, saímos de campo com o empate. O segundo gol deles saiu só no finzinho, e de pênalti.

Casado e pai de dois filhos, Edésio acompanha de perto o futebol, mas diz não gostar do que vê atualmente.

- Torço para o Cruzeiro. Não perco um jogo do time, mas o futebol de hoje é pior do que na minha época. Hoje os times jogam para trás, só pensam em defender e marcar. Quando eu jogava, a gente atacava o tempo todo.

Futuro

programação no vestiário do Bela VistaProgramação de treinos no vestiário do Bela Vista
(Foto: Marco Antônio Astoni / Globoesporte.com)

O Bela Vista tem planos ambiciosos para os próximos anos. Com o departamento de futebol profissional desativado, o plano é retomar as atividades e disputar a terceira divisão do Campeonato Mineiro já em 2011.

O time já bateu os gigantes de Belo Horizonte nos tempos de glória. O Atlético-MG foi derrotado por 3 a 2, em 1961, no estádio Independência. Já o Cruzeiro foi batido por 1 a 0, também na capital mineira.

Segundo o atual presidente do Bela Vista, o advogado Wágner Oliveira, tudo está encaminhado para que o projeto saia do papel. Falta apenas o apoio financeiro de uma grande empresa da região de Sete Lagoas, que, segundo Oliveira, já está em fase final de negociação. O Bela Vista tem equipes ativas em todas as categorias de base e conta com mais de 350 jovens em suas escolinhas.

estádio do Bela VistaCondições precárias do estádio do Bela Vista, em Sete Lagoas (Foto: Rodrigo Fuscaldi / Globoesporte.com)

O clube, que já revelou jogadores como o zagueiro Thiago Heleno, do Corinthians, e o lateral Marcos Rocha, ex-Atlético-MG e hoje no América-MG, sonha alto, para – quem sabe um dia – voltar a enfrentar um time poderoso, como o Real Madrid...
FONTE: GLOBO