terça-feira, 7 de setembro de 2010

Rogério Ceni: a história de um mito e seus 20 anos de trabalho e dedicação

Títulos, recordes e a adoração cada vez maior da torcida. Após vencer a maior lesão da carreira, goleiro comemora marca jogando o fino da bola

Por Marcelo Prado São Paulo

Um mito debaixo das traves. Uma máquina de conquistar títulos e quebrar recordes. No São Paulo, ninguém tem números tão expressivos quanto Rogério Ceni. Jogador com maior número de partidas disputadas (924), com o maior número de títulos oficiais conquistados (14), maior artilheiro do clube na história da Taça Libertadores da América (11 gols) e recordista de minutos sem tomar gols no Campeonato Brasileiro (988).

Os recordes se estendem para longe do Morumbi, afinal Rogério é o maior goleiro artilheiro do mundo (90 gols), recordista de jogos no Campeonato Brasileiro (403), foi eleito o craque do Nacional de 2007 e se tornou o único a jogador da América do Sul, em toda a história, a ter participado da eleição final da revista France Football para a eleição da Bola de Ouro (melhor jogador do mundo). Terminou na 27ª colocação na temporada 2007.

Nesta terça-feira, o paranaense de Pato Branco, aos 37 anos, marido de Sandra e pai das gêmeas Clara e Beatriz, hoje com cinco anos, escreverá o capítulo mais nobre de sua história como jogador ao completar 20 anos no clube do Morumbi. Ou, como o próprio camisa 1 diz, a sua segunda casa.

rogério Ceni são paulo placaRogério Ceni recebe placa do São Paulo (Foto: Marcelo Prado / Globoesporte.com)

- Eu só tenho a agradecer, principalmente porque o São Paulo é uma extensão da minha vida. Como minha esposa, minhas filhas, tudo que conquistei devo a esse clube. Agradeço ao São Paulo porque todos trabalham para esse clube ser cada vez maior. São 20 anos de muito trabalho, de um trabalho que cada vez me dá mais prazer. Faço tudo aqui com muito carinho, com muito amor – lembrou o jogador, emocionado após receber a placa da diretoria na manhã da última segunda-feira, no salão nobre do estádio do Morumbi.

CONFIRA OS DEZ JOGADORES QUE MAIS TEMPO VESTIRAM A CAMISA DO SÃO PAULO
NOME POSIÇÃO TEMPO DE CLUBE
Rogério Ceni Goleiro 20 anos
Teixeirinha Atacante 16 anos e 7 meses
De Sordi Zagueiro 13 anos e 7 meses
José Poy Goleiro 12 anos e 10 meses
Roberto Dias Zagueiro 12 anos e 3 meses
Mauro Zagueiro 12 anos e 1 mês
King Goleiro 11 anos
Savério Zagueiro 11 anos
Remo Meia-atacante 10 anos e 11 meses
Waldir Peres Goleiro 10 anos e 11 meses

Muita coisa mudou em duas décadas. Menos a paixão entre Ceni e o São Paulo

Em duas décadas, muita coisa mudou. O Brasil ainda não conhecia a internet, nem o telefone celular. O mundo assistia ao confronto entre Iraque e Kuwait, que, poucos meses depois, se transformaria na Guerra do Golfo. Ainda existia a União Soviética, que seria dissolvida um ano depois. No esporte, Ayrton Senna brigava pelo bicampeonato mundial contra Alain Prost e a Seleção Brasileira amargava um jejum de 20 anos sem ganhar uma Copa do Mundo. Nesse período, Rogério Ceni seguiu fazendo a mesma coisa e o mesmo trajeto todos os dias.

- É uma coisa engraçada pensar no que mudou em 20 anos. Hoje, estou mais experiente, mais careca (risos). Os anos foram caminhando, e a minha paixão pelo São Paulo só foi aumentando. Hoje, não consigo me imaginar jogando futebol sem ser com a camisa do São Paulo. Meu carro parece que está sempre no automático, vai sozinho para o CT. Vestir essa camisa é algo que dá motivação todos os dias e não tenho dúvida de que isso vai acontecer até o último dia da minha carreira - afirmou.

Nesses 20 anos, Rogério viveu imensas alegrias. Conquistou títulos, contabilizou recordes, chegou à Seleção Brasileira. Mas também teve decepções. Por duas oportunidades, essa história que hoje completa Bodas de Porcelana esteve perto de não acontecer. Por isso, o GLOBOESPORTE.COM montou uma linha do tempo para enumerar os principais fatos da carreira de um dos maiores nomes da história do clube do Morumbi.

Pressão logo no primeiro teste
Quinta-feira, 6 de setembro de 1990. Por influência de um conselheiro, Rogério Ceni deixou para trás propostas do Santos, Bragantino e Ferroviária e veio para a capital paulista para fazer um teste no São Paulo. Com 17 anos, a cidade grande já deixou o garoto muito assustado.

- Quando cheguei à cidade, uma das primeiras coisas que eu vi foi o estádio do Morumbi. E era algo de outro mundo, gigante, impressionante. Principalmente porque, três dias depois do teste, foi lá que fui morar por quatro anos. Hoje, como moro perto, passo todo dia em frente e acho a coisa mais normal do mundo – afirmou, rindo.

Voltando ao teste, Rogério Ceni fez aquecimento com o então preparador físico Sérgio Rocha e depois fez alguns trabalhos com o preparador de goleiros dos juniores, Gilberto. No intervalo, veio a oportunidade.

- O Forlán (Pablo, ex-jogador) era o técnico. Foi alguns meses antes do Telê chegar. O Gilberto fez alguns trabalhos específicos. Olhei para o campo onde o time principal treinava e vi o Gilmar de um lado e o Zetti do outro. Tinha eu e o Marcos como opções. Fui superbem, mas me lembro que tomei um golaço do Leonardo, de cavadinha. Ele saiu cara a cara comigo, eu tapei o canto e ele mandou por cima. Mas esse teste nunca vai sair da minha cabeça. Quando cheguei, não sabia o que aconteceria. E, minutos depois, estava num coletivo do time principal. No dia 7, fui ao Morumbi preencher toda a papelada e, dois dias depois, já estava morando no time do Morumbi - lembrou o goleiro.

Sérgio Baresi Rogério Ceni São Paulo 1992Rogério Ceni e Sérgio Baresi foram companheiros
na Copinha de 1992 (Foto: Gazeta Press)

Rogério não demorou muito e subiu para o time júnior. Em 1992, subiu para o time profissional, como terceiro goleiro, já que o reserva imediato de Zetti, Alexandre, havia morrido em um acidente de carro. No ano seguinte, voltou aos juniores para disputar e conquistar a Copa São Paulo daquele ano contra o Corinthians. Curiosamente, naquele time estava o zagueiro Sérgio Baresi, que hoje comanda o time profissional. Quando retornou ao profissional, logo depois, foi oficializado como reserva imediato de Zetti. No mesmo ano, fez sua estreia no time de cima, no troféu Santiago de Compostela, na partida contra o Tenerife, que terminou 4 a 1 para o Tricolor.

Paciência, paciência, paciência

De 1994 a 1996, Rogério teve de aprender a desenvolver a paciência, já que Zetti vivia a melhor fase da sua carreira. Foram 205 longas partidas na reserva. Ele atuou apenas na Copa Conmebol, quando Muricy Ramalho utilizou o time reserva, carinhosamente chamado de “Expressinho”. Até que, em junho de 1996, seis meses antes do fim do seu contrato, Ceni recebeu proposta do Goiás para ser titular e ganhar três vezes mais o que recebia no clube do Morumbi.

- Eu respeitava muito o Zetti, mas queria jogar. Fui ao presidente Fernando Casal Del Rey e apresentei a proposta. Ele me disse para ter paciência que, no final do ano, o Zetti ganharia passe livre como uma forma de reconhecer tudo de bom que ele fez para o clube. E que, quando isso acontecesse, eu viraria titular. Nessa conversa, renovei meu contrato por dois anos e tudo que o presidente havia dito, aconteceu.

Nos treinamentos, Rogério crescia cada vez mais de produção e também se destacava com a bola nos pés. Um dia, começou a treinar faltas e, animado com os resultados, resolveu que tentaria se aperfeiçoar. Em determinados treinos, chegava a bater 40, 50 faltas. E o que ele tanto sonhava aconteceu no dia 15 de fevereiro, quando autorizado pelo então técnico Muricy Ramalho, foi ao ataque e, com uma cobrança perfeita, no canto esquerdo do goleiro Adinan, Ceni marcava seu primeiro gol de falta.

Rota de colisão com o presidente em 2001 quase o levou para o Cruzeiro

Em 2001, certamente Rogério Ceni viveu seu momento mais difícil dentro do clube. O então presidente Paulo Amaral acusou o jogador de inventar uma suposta proposta do Arsenal (ING) para ganhar aumento salarial. As duas partes entraram em rota de colisão, e o goleiro foi suspenso por 29 dias, quando também não recebeu salários. Até hoje, ele não esconde o incômodo com tudo o que ocorreu.

- Nunca mais tive contato com ele (Paulo Amaral) e nem quero ter. Guardo ressentimento de como ele tratou a questão. Não tinha por que ser assim. Quando o Juvenal assumiu, eu recebi uma proposta da Grécia e levei ao conhecimento do presidente, que preferiu não me vender O outro foi intransigente. Hoje, cada um tem sua importância no clube. Ele representa o clube apenas pelos dois anos em que foi presidente. Se eu pudesse, falava toda a verdade dessa história. Mas é melhor eu ficar quieto - afirmou.

Nessa época, Ceni esteve a um passo de se transferir para o Cruzeiro. Seria trocado por André e o clube mineiro ainda dava uma excelente compensação financeira. O negócio acabou não saindo e, na eleição seguinte, Paulo Amaral foi derrotado por Marcelo Portugal Gouvêa que, em um dos seus primeiros atos, renovou o contrato do camisa 1.

Anos gloriosos

Rogério Ceni Libertadores 2005Ceni na Libertadores de 2005 (Foto: Reuters)

Passada essa turbulência, Ceni então virou o símbolo de uma equipe que, após ter passado anos brigando apenas pelo título estadual, voltou a se destacar no cenário nacional e sul-americano. Em 2003, o time garantiu o direito de voltar a disputar a Libertadores, o que não acontecia desde 1994. Em 2004, apesar da queda na semifinal diante do Once Caldas, a certeza de que o time estava no cominho certo. E isso acabou se comprovando em 2005, com os títulos paulista, da Taça Libertadores e do Campeonato Mundial de Clubes.

Entre 2006 e 2008, o São Paulo foi soberano no Brasil, conquistou o tricampeonato nacional e tornou-se o único time a ter seis títulos brasileiros. Em 2009, Ceni conheceu a pior lesão da sua carreira ao quebrar o tornozelo esquerdo num treinamento. Foram quatro meses de uma longa ausência. Hoje ele celebra o fato de voltar a atuar em alto nível. Em 2010, apesar da seca de títulos da equipe, ele contabilizou mais um recorde para sua carreira: o de maior artilheiro da história do clube na Taça Libertadores da América, com 11 gols.

Todo esse sucesso faz um senhor de 72 anos ir às lágrimas quando fala do filho. Em Sinop, onde mora o seu Eurydes, disse que seu coração está saindo pela boca de tanta alegria pelo sucesso de Rogério Ceni no São Paulo.

- Eu sou suspeito para falar do meu filho. Além de um filho maravilhoso, é um pai maravilhoso, tem um carinho muito grande com as filhas. Como jogador, não há o que dizer, os fatos e recordes dizem por si só. O Kiko (apelido do filho) é um privilegiado. No ano passado, quando ele se machucou e muitos duvidaram da sua recuperação, conversamos e senti muita vontade. Não tinha dúvida de que ele voltaria ainda melhor. E foi o que aconteceu. Vou fazer questão de ligar para ele e falar tudo que tenho vontade. O problema é que sou emotivo, vou chorar. Mas não tem importância. Ele merece tudo que a vida está lhe dando - concluiu o pai, feliz da vida.


Bate bola com o capitão são-paulino

O que falta ainda conquistar no São Paulo?

Difícil dizer. Afinal, tudo que podia viver no São Paulo, eu vivi. Tenho grandes conquistas, tricampeonato brasileiro, sete anos seguidos na Libertadores, coisa que ninguém fez no nosso país. É claro que se dá muito valor a títulos. Mas o São Paulo cresceu demais. O CT de Cotia é algo impressionante. Sexta-feira passada estive no Morumbi, onde vivi por quatro anos, e fiquei absolutamente surpreso com tudo que vi. É um progesso muito grande. O São Paulo vem crescendo muito, apesar dos resultados não serem tão bons. Mas eu quero ganhar sempre mais, quero poder disputar uma nova oportunidade e ser tricampeão, coisa que ninguém fez até hoje.

Alguém vai quebrar a sua marca de 20 anos?

Alguém vai alcançar essa marca. Vai surgir alguém, sem dúvida, mas não sei se alguém vai ficar todo esse tempo. Há décadas atrás, era uma coisa natural, normal. Hoje, com a globalização, é tudo mais complicado.

Técnico mais importante em sua carreira no São Paulo?

Todos tiveram sua parcela, mas sem dúvida, gostaria de falar do Telê Santana. Convivi com ele de setembro de 1990 a 1995. Foi quem me lançou no time profissional, que me ensinou muito. Era rígido demais com os jogadores, mas nunca deixou de ser correto com quem realmente trabalhava. Ele era meu parceiro de tênis. Naquela época era diferente. Os solteiros concentravam às 18h e os casados às 22h .Ele pedia para o segurança avisá-lo quando eu chegava, ligava no meu quarto e falava: "Vamos jogar? Como eu iria recusar esse pedido?" (risos). Lembro de uma vez que ele me chamou a atenção no CT. Eu estava sentado em cima da mesa da telefonista e ele me disse. "Na sua casa você senta em cima da mesa?" Isso mostra que no fundo ele tinha razão. Era um cara fantástico. Tenho uma admiração não só pelos títulos que ele conquistou, mas pelo jeito que ele conquistou. É um nome gravado para sempre na minha memória.

No futuro pretende ser presidente?

Ser presidente não é algo natural. Quero poder ajudar o São Paulo da maneira que eu puder. Não é uma profissão. Se um dia acontecer, a gente vê. A vida prepara surpresas. Tem gente mais preparada que eu para isso .Espero ajudar o São Paulo da melhor maneira possível.

Que avaliação faz de Sérgio Baresi?

Ele tem uma personalidade que precisa ser destacada. Com 37 anos, resolveu assumir uma obrigação que muitos recusariam. Eu mesmo não sei se estaria pronto. Ele é um cara muito trabalhador, estivemos juntos no início da carreira e, após um período muito ruim, o time começou a dar sinais de reação. Quem acha que eu interfiro na escalação dele não sabe nada. Ele escala, ele mexe, ele é o treinador. Eu apenas falo o que acho que seja necessário. Errado seria se eu falasse para ele tirar um jogador e botar outro. Isso eu nunca vou fazer.

Vai jogar bem até o final do contrato? Existe a chance de renovar?

Me sinto bem, super em forma. Apesar de algumas falhas, acredito que nas 924 partidas que estive em campo até agora, tenha mantido uma média muito boa. Tenho contrato até dezembro de 2012, a não ser que aconteça alguma lesão grave como em 2009. Hoje estou superbem e te diria que posso jogar até os 50 anos. Lá em 2012, a gente vê o que acontece - disse o jogador.

fonte: globo