GLOBOESPORTE.COM relembra o imbróglio e explica por que a obra parou em junho e ainda não tem previsão de recomeço
Por Diego Guichard e Lucas Rizzatti
Porto Alegre
Ostentada com orgulho no portão de entrada do pátio do Beira-Rio, em frente à Avenida Padre Cacique, a placa “estamos em obras” é incapaz de refletir a realidade de dúvidas e estagnação pela qual passa a reforma do estádio visando à Copa do Mundo. Desde 24 de junho, há 250 dias, nenhuma viga é erguida nos arredores do Lago Guaíba. Não existem operários ou máquinas tratando da reformulação do complexo.
Em vez de um imenso canteiro de obras, impera no Beira-Rio um imbróglio que atravessa as fronteiras de Porto Alegre e inquieta até a presidente Dilma Rousseff. Sem a assinatura com a construtora Andrade Gutierrez, o clube gaúcho se vê cada vez mais pressionado por uma definição, sendo que os prazos dados pela Fifa estão se esgotando e o caminho a ser percorrido parece cada vez mais distante. O GLOBOESPORTE.COM relembra essa inusitada trajetória de uma reforma que insiste em não sair do papel e que consegue tirar um clube que se intitula "campeão de tudo" do seu foco primordial, o futebol.
Por que a AG? Por que a demora?
Dezembro de 2013 é o prazo da Fifa para o fim das obras
A parceria entrou na vida do Inter devido a uma exigência da Fifa, que pede garantias financeiras de que os estádios-sedes do Mundial terão suas obras concluídas. O clube não conseguiu essas garantias com bancos. A direção, então, alinhavou uma aproximação com uma empreiteira, que teoricamente teria acesso facilitado a linhas de financiamento do BNDES.
O contrato foi construído e aprovado pelo Conselho Deliberativo do clube em dezembro. O impasse, no entanto, prossegue devido à intenção da Andrade Gutierrez de dividir o montante do empréstimo e pagar menos juros - condição refutada pelo Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), que só aprovará o financiamento quando a construtora se comprometer com 100% das garantias financeiras. A instituição, inclusive, já comunicou a empreiteira de que pode procurar outros bancos, se a proposta não for alterada.
R$ 330 milhões
É o valor do contrato entre Inter e Andrade Gutierrez
O martelo foi batido pelo banco nesta terça, após uma reunião com a cúpula da Andrade Gutierrez, motivada pela pressão do Comitê Olímpico Organizador (COL), ávido pelo retorno do barulho das máquinas no Beira-Rio. A construtora solicita empréstimo de cerca de R$ 300 milhões e apresentou apenas 20% de garantias para o banco, com o restante diluído numa Sociedade de Propósito Especifico (SPE), o que travou a negociação. De acordo com o presidente do Banrisul, Túlio Zamin, mesmo que se chegasse a um acordo nesta quarta, por exemplo, levaria ainda cerca de 60 dias, com "otimismo", para que o empréstimo fosse liberado.
- Não podemos fazer coisas ilegais para que o Banrisul entre em um negócio. Os principais acionistas do banco é o povo do estado. Qualquer ação que não seja responsável, quem paga é a população - endossa o governador Tarso Genro, em entrevista para Rádio Gaúcha.
O Beira-Rio é o nosso plano A e B para a Copa""
Aldo Rebelo,
em 140/02/2012
Nesta terça, o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, estipulou até o último dia de março para que exista uma definição, cogitando, inclusive, de indicar outra sede a Fifa, indo de encontro ao pensamento otimista do ministro do Esporte, Aldo Rebelo.
- O prazo termina no fim do mês de março. Mais 30 dias depois disso, é realmente desatar o nó e buscarmos uma alternativa - avisou o prefeito.
É de Fortunati o poder de propor para a Fifa uma alternativa se não houver acordo no Beira-Rio.
Depois disso (31/03), vamos buscar uma alternativa"
Fortunati,
em 28/02/2012
Tarso Genro segue a mesma linha de Fortunati. Aposta em um desfecho feliz para o Inter e coloca o Banrisul à disposição para conversar com o clube. Mas também não descarta um plano B, que poderia inclusive prescindir da atual construtora. E chega a mencionar que pode "ouvir qualquer outro" interessado em sediar o Mundial, sem citar, no entanto, as chances da futura Arena do Grêmio, com previsão de conclusão em novembro deste ano.
- Nossa orientação é tomar todas as providências para que o Beira-Rio seja o palco - ressalva.
Inter nega plano B à construtora, que garante acerto
Apenas uma das seis etapas da obra está concluída,
a da construção das fundações da cobertura
Pelo lado do Inter, há sim um sentimento de frustração e preocupação pelo não andamento da assinatura com a empreiteira. De acordo com o presidente Giovanni Luigi, um plano B está fora de cogitação. No entanto, o dirigente passou a responsabilidade para a construtora na expectativa por uma resolução.
- Foi a construtora que nos procurou, eles precisam achar uma resolução. O Inter fez tudo o que foi solicitado. Conversei com o presidente da Andrade Gutierrez no sábado e ele disse que as chances de que a assinatura não ocorra são zero – contou Luigi, na sala de imprensa do Beira-Rio, pouco depois de reunião no Palácio Piratini com autoridades do governo estadual.
A mágoa de Vitorio Piffero
Mentor da reformulação do Beira-Rio com recursos próprios, o ex-presidente Vitorio Piffero fala com mágoa ao realizar um exercício de imaginação comparativo. Pelo cronograma inicial, acredita que as arquibancadas inferiores estariam finalizadas ainda em 2012, sem a interrupção por causa das obras.
- O valor das obras era de R$ 158 milhões. O Inter já tinha obtido entre dinheiro vivo e recebíveis. Estaríamos hoje completando três quartos da arquibancada inferior. Era o estádio mais avançado entre os 12 naquele momento – ponderou Piffero, em contato com o GLOBOESPORTE.COM.
Estaríamos hoje completando três quartos da arquibancada inferior"
Vitorio Piffero,
a favor do autofinanciamento
O ex-presidente revelou uma “sensação de incômodo” em relação ao início da demolição das arquibancadas – o que gerou o vazio atual de um quarto da inferior do estádio. Disse que o fez com o aval de Giovanni Luigi, presidente eleito na época, mas não empossado.
- Em 11 de dezembro de 2010, fizemos uma reunião em Abu Dhabi (na época do Mundial). O Luís Anápio Gomes (atual presidente da comissão de obras) dizia que devíamos parar imediatamente com as obras. O Luigi me perguntou se essa parada influenciaria o cronograma. Expliquei que sim, que poderíamos perder o cronograma. Iniciei com a autorização dele - lamentou. - É uma coisa que tem me incomodado. Não adianta explicar que foi exatamente assim.
Obras abertas em julho de 2010
Foi em 29 de julho de 2010 que as obras do Beira-Rio se iniciaram de maneira oficial. Desde lá, muita coisa mudou. Na época, o presidente da República ainda era Luiz Inácio Lula da Silva, que acionou as máquinas no estádio. O presidente do Inter também era outro, Vitorio Piffero. Ao lado de ambos, o ministro do Esporte ainda atendia por Orlando Silva. Até as referências do time eram outras. Bolívar sustentava a inabalável fama de capitão e Sandro dominava a proteção aos zagueiros.
Trabalhos parados um mês após parceria
Uma das decisões mais importantes que diz respeito à obra ocorreu no dia 15 de dezembro de 2011, quando as arquibancadas das sociais começaram a ser demolidas. No mês seguinte, ainda com a reforma em andamento, começou o questionamento sobre o modelo de autofinanciamento. O orçamento saltou dos iniciais R$ 158 para 253 milhões e, assim, foi dada a largada às conversas com a Andrade Gutierrez, que já havia procurado, meses antes, o clube gaúcho, mostrando interesse em ser parceiro.
Há tempo hábil para conclusão das obras até a Copa de 2014"
Andrade Gutierrez
No dia 21 de março, o conselho do Inter optou pelo sistema de parceria e, em 13 de maio, houve a oficialização do nome da Andrade Gutierrez, que deverá acompanhar os colorados por 20 anos. A paz no casamento entre clube e construtora, no entanto, durou pouco mais de um mês. Isso porque, em 24 de junho, as obras acabaram paralisadas, à espera da assinatura do contrato - o que o clube, os torcedores, o estado e o governo federal aguardam até hoje.
Atraso já tirou evento-teste de Porto Alegre
A incrível demora, que nesta quarta alcança os impensáveis 250 dias, já custou a Copa das Confederações a Porto Alegre. A confirmação da exclusão ocorreu no dia 20 de outubro de 2011. Nem esse baque foi capaz de acelerar o processo da Andrade Gutierrez, que, repleta de exigências, levou meses na negociação dos termos do contrato com o Inter. Quando as obras foram interrompidas em junho, havia o entendimento de que bastaria um mês para tudo voltar ao normal. Desde então, ao menos sete prazos de retomada dos trabalhos acabaram não sendo cumpridos. Com a demora, a obra teve o custo total reajustado, passando de R$ 290 milhões para R$ 330 milhões.
datas importantes | o que aconteceu |
---|---|
29 de julho de 2010 | Lula aciona as máquinas para início oficial das obras no Beira-Rio |
15 de dezembro de 2010 | Inter começa a destruição das arquibancadas das sociais |
21 de março de 2011 | Conselho do Inter escolhe o modelo de parceria, em decisão unânime |
13 de maio de 2011 | Inter elege a Andrade Gutierrez como parceira para as obras |
24 de junho de 2011 | À espera da assinatura do contrato, Inter interrompe as obras |
20 de outubro de 2011 | Porto Alegre, com Beira-Rio como estádio, perde a Copa das Confederações |
15 de dezembro de 2011 | Conselho Deliberativo aprova o contrato com a construtora |
O Inter estreia na Libertadores no dia 25. Antes, já estaremos em obras."
Giovanni Luigi, em janeiro
O Inter seguiu esperando a interminável conclusão da minuta do contrato de parceria, que só conseguiu ser apreciada e aprovada pelo Conselho Deliberativo em dezembro do ano passado. O parecer positivo da cúpula do clube animou Luigi, que chegou a anunciar em janeiro de 2012 o recomeço das obras antes do dia 25, data de estreia do Inter na Libertadores.
Como se vê, o Inter já atuou duas vezes pela Libertadores no estádio e nenhum tijolo foi movido. Enquanto a Andrade Gutierrez não reúne garantias, se mostra inerte às preocupações do país e diz, em notas oficiais, que há "tempo hábil" até a Copa, o pátio do Beira-Rio expõe vestígios da obra parada como se fossem entulhos à espera do caminhão de lixo.
Ao lado do gramado suplementar, aquelas que seriam as novas arquibancadas, trazidas em março de 2011, se encontram atiradas no chão, expostas aos castigos do tempo, como num permanente aviso de que há algo errado com aquela placa, "estamos em obras", em frente à Padre Cacique.