Craque camaronês conta como foi seu reencontro com Higuita e celebra os 20 anos da seleção africana mais famosa de todos os tempos
Roger Milla é a prova de como uma Copa do Mundo pode mudar a vida de um jogador. Até 1990, já com 16 anos de serviços prestados à seleção camaronesa, provavelmente passaria anônimo em uma rua de São Paulo, Londres, Buenos Aires ou Berlim. Desembarcou na Itália apenas como mais um africano cujo papel, em tese, seria o de figurante. Mas em cinco jogos, todos saídos do banco de reservas, marcou quatro gols e transformou a própria história.
Levou um país africano pela primeira vez às quartas de final e virou rei em Camarões, ídolo na África e querido em todo o planeta. No total foram só quatro horas em campo em todo o torneio, que valeram mais do que os 16 anos anteriores.
- Hoje o olhar do mundo para o futebol africano é completamente diferente do de 1990 e isso começou por causa daquela seleção. Sei que passei a ser visto de outra forma também, dentro e fora de Camarões, mas quem me conhece sabe que continuo a mesma pessoa - diz Milla, em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM e ao Esporte Espetacular.
Ídolo de Camarões, Roger Milla é tratado como 'vossa excelência' nas ruas do país
As atuações na Copa de 90 fizeram de Milla um homem influente em Camarões. Ele carrega o título símbólico de embaixador do país, dado pelo governo, e é chamado de vossa excelência nas ruas. Também ficou rico, mas conserva a simplicidade e a elegância até para descrever seu lance mais famoso naquela Copa. Na prorrogação contra a Colômbia, pelas oitavas de final, roubou a bola do goleiro Higuita e fez seu segundo gol na vitória por 2 a 1.
- Já encontrei Higuita várias vezes depois daquele gol, sempre com muito respeito. Considero-o um dos melhores goleiros de todos os tempos e sei que ele me vê também como um grande jogador. Naquele lance não tive a intenção de menosprezar ninguém, ele simplesmente aconteceu - relembra.
Milla conta que absolutamente nada naquela Copa foi previamente planejado. Nem as famosas comemorações rebolando na bandeirinha de escanteio, muito menos a classificação para as quartas de final.
- Ninguém esperava que pudéssemos ir tão longe, nem mesmo nós. Mas depois que vencemos na estreia contra a Argentina, que era a atual campeã, vimos que era possível ao menos avançar às oitavas de final.
Depois de passar por Argentina e Romênia, perder para a União Soviética e bater a Colômbia, Camarões teve o caminho interrompido pela Inglaterra. Uma partida histórica, em que europeus e africanos se alternaram na liderança do placar até Gary Lineker garantir a vitória inglesa por 3 a 2 na prorrogação.
- Não houve arrogância de nossa parte, mas acho que perdemos um pouco a concentração. Já estávamos muito felizes com aquela campanha, era tudo muito inesperado, e acabamos deixando a vitória escapar - lamenta ele, que quatro anos mais tarde, em 1994, tornou-se o jogador mais velho a marcar um gol em Copas, com 42 anos.
Mas o grande momento de Milla foi mesmo em 1990, quando ele conseguiu provar três coisas. Primeiro, a si mesmo, que ainda era decisivo mesmo aos 38 anos. Depois, aos seus companheiros, que irreverência não é necessariamente sinônimo de arrogância. Por fim, e mais importante, que o futebol africano pode, sim, ser protagonista de uma Copa. Sempre com sorriso no rosto e talento no pé.
A ENTREVISTA DE ROGER MILLA E UMA REPORTAGEM ESPECIAL SOBRE CAMARÕES VOCÊ VERÁ EM BREVE NO ESPORTE ESPETACULAR.