terça-feira, 30 de março de 2010

No seu recanto, Andrade abre a guarda e fala das dificuldades que enfrenta

Em Jaconé, treinador diz que jamais teve problemas com Petkovic e garante que grupo não se abalou com polêmicas envolvendo Love e Adriano

Eduardo Peixoto e Rodrigo Benchimol Rio de Janeiro

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A folga de segunda-feira de Andrade serviu para que ele fosse até a sua casa de praia em Jaconé, distrito de Saquarema, na Região dos Lagos. Mas a ida até lá foi apenas para resolver problemas das obras que ele está fazendo. Faltou tempo para aproveitar como costumava fazer na década de 80, quando promovia churrascos com outros jogadores ou apenas descansava no pacato lugar.

Atualmente, o treinador já não tem mais tanta disponibilidade de ficar lá à toa curtindo a vida. O Flamengo tem tomado todo o seu tempo e até mesmo os familiares têm reclamado. Apesar do prestigiado cargo dentro do clube onde é ídolo, a postura de Andrade não mudou. Assim como a casa construída em 1980, ele preserva a mesma simplicidade habitual. Quem garante é a esposa Edna.

- Ele continua sendo o mesmo Andrade de sempre. O título do Brasileiro não o fez mudar em nada – disse Edna.

Agência/Divulgação

Andrade e a esposa Edna na casa de praia da família, em Jaconé, distrito de Saquarema

O que mudou, na verdade, foram as suas responsabilidades. Comandar o Flamengo traz as obrigações de tomar decisões difíceis, encarar problemas públicos, administrar vaidades e ser questionado por tudo isso. Os casos de Petkovic, que disputa vaga com Vinícius Pacheco e bateu de frente com a diretoria, de Adriano e Vagner Love, que tiveram de prestar esclarecimentos à polícia por problemas extracampo, são os melhores exemplos do que Andrade tem vivenciado em 2010.

- Mas os nossos filhos dão mais trabalho – brinca Edna.

Pai de Tabatta, Tayana e Tayoran, Andrade garante que também tem uma família unida dentro da Gávea. Esta, ele admite, lhe tem consumido mais tempo e proporcionado mais cabelos brancos. Com a simpatia de sempre, o técnico recebeu o GLOBOESPORTE.COM em sua casa, em Jaconé. Mas o antigo refúgio da época em que era jogador não serviu para ele se esquivar das perguntas sobre sua carreira de treinador e alguns percalços desta temporada. Sem rodeios, respondeu a todas. E garantiu: não tem qualquer problema com Petkovic.

Confira abaixo a entrevista.


Essa casa em Jaconé é o recanto do Andrade? Tem quanto tempo que você não vem aqui?

- Deve ter uns três anos que não venho aqui para ficar, descansar. Eu aproveitava mais na época de jogador. Tenho essa casa desde 1980. Aqui era meu cantinho. Vinhas nas férias, feriados, fins de semana, Natal... Alguns jogadores vieram aqui já: Ailton, Zinho, o falecido Zé Carlos, o Adílio veio quando jogou pelo Barreira... Fim de ano sempre fazia um churrasco. Carnaval eu também vinha... Hoje em dia quem aproveita são os meus filhos (Tabatta, Tayana e Tayoran), que trazem os amigos.

O Andrade mudou muito depois de ser campeão brasileiro como técnico?

- Agora tenho mais trabalho, mais responsabilidades, não disponho de tanto tempo. Como pessoa, eu não mudei nada. O que mudou mesmo é a falta de tempo. Antigamente, por exemplo, eu fazia o supermercado. Hoje em dia quem faz é a minha esposa, que não está mais trabalhando... Com o Flamengo disputando o Carioca e a Libertadores, passo a maior parte do tempo nos treinos, jogos e viagens. Quase não fico em casa. A família mesmo reclama de vez em quando que estou mais ausente, mas entende o motivo.

E qual a diferença entre o Flamengo atual para o que você assumiu, no ano passado? Hoje a pressão é maior?

- Quando eu assumi, peguei um time em que as pessoas diziam que iria brigar para não ser rebaixado. Palmeiras, São Paulo, Cruzeiro e outros times eram os favoritos ao título. O Flamengo não estava nas primeiras páginas (dos jornais). Estava na do meio ou na de trás. Hoje em dia ocupa as primeiras páginas. Foi campeão brasileiro, está disputando a Libertadores, veio a contratação do Love... Aí ficou sendo o time da mídia.

Isso tem o lado positivo, de seu trabalho estar sendo observado. Mas tem o negativo de que qualquer alfinete fora do lugar já vira uma cobrança, não é?

- Não tenha dúvida. Flamengo todo mundo sabe: ou é o céu ou é o inferno. Tudo que acontece aqui ganha uma dimensão grande.

Está sendo difícil conviver este ano com toda essa pressão, a própria abordagem da imprensa? Ainda mais pelo fato de o noticiário do Flamengo não ter ficado apenas nas questões esportivas.

- Procuro administrar bem isso e entender o problema de cada um. Quando alguém passa uma dificuldade é fácil você ir lá e pisar nele. Reerguer, dar moral e estar junto naquele momento é mais difícil. Tudo isso que está acontecendo é experiência de vida para eles. Eles vão amadurecendo. Às vezes eles acham que tudo aquilo que eles fazem são coisas normais e esquecem que têm uma vida pública. Se fosse uma outra pessoa qualquer, não haveria repercussão alguma. Mas eles são referências e estão em outra dimensão.

Como um técnico tem de se portar para tratar desses tipos de situação que aconteceram no Flamengo?

- Isso não é só um trabalho do treinador, mas da diretoria também. Mas ajudamos na medida do possível. Com alguns jogadores você tem mais intimidade para chegar e falar. Não é fácil entrar na vida pessoal das pessoas. Algumas não dão essa liberdade. E você tem de ver que meu trabalho é dentro de campo. As coisas que acontecem fora, o jogador pode falar que diz respeito a ele apenas. Mas você sabe que é preciso estar unido com o grupo. Se temos um grupo fechado, as coisas não vão nos atingir, como aconteceu agora. Mesmo com todos os problemas que aconteceram, nós mantivemos a postura, somos líderes do nosso grupo no Carioca e a um ponto de liderar o da Libertadores.

Mas como é lidar com esses problemas extracampo quando os resultados estão acontecendo? Você também procura dar o exemplo, falar que também foi jogador, orientar... ?

- Eu sempre tive uma conduta. Sempre soube o que eu posso e o que eu não posso fazer. Isso tudo que aconteceu tem de servir de experiência para eles. Eles não têm de deixar de aproveitar a vida, mas também não pode estar em qualquer lugar. Eu sei que como técnico não posso me expor tanto. Não posso mais sentar no shopping e beber. Por mais que eu só esteja tomando um chope, vai ter gente maldosa dizendo que eu estava embriagado. Mas se eu for à Igreja ninguém vai dizer nada. Infelizmente, o mundo vive de polêmicas. Coisa boa não vende. Hoje em dia você liga a TV ou abre o jornal e só vê tragédia, terremoto, explosão... Aí você acaba achando que o mundo está acabando (risos).

Passando a falar mais de campo e bola, já dá para dizer se o Flamengo vai enfrentar o Friburguense com time misto?

- Se eu der folga para os jogadores neste jogo, eles vão ficar parados 10 dias até o jogo da Libertadores (dia 7, contra o Universidad de Chile, no Maracanã). Por outro lado, se eles jogarem domingo, corremos o risco de alguém se machucar. Tenho de pensar as duas coisas. Tudo vai ser avaliado com calma. É uma decisão difícil e depois que você toma tem de ir até o fim com ela.

Tomar decisões é a função mais difícil de um treinador?

- Às vezes precisamos tomar decisões em frações de segundo. O time está sendo pressionado e você precisa fazer uma substituição. Ela pode dar certo como pode dar errado. Geralmente, quando eu falo para vocês (jornalistas) que tenho uma dúvida, eu normalmente já tenho a decisão tomada na minha cabeça. Mas não posso falar porque os adversários trabalham em cima disso. Contra o Botafogo, eu já tinha decidido que iria usar o Petkovic.

Por falar em Petkovic, como está sendo a convivência com ele este ano? Ele deu entrevista reclamando de várias coisas erradas no Flamengo.

- Este ano ele voltou um pouco mais fechado, mais na dele devido aos problemas que ele teve. Eu tenho de respeitar. Não vou invadir a privacidade se não me derem abertura. Eu só falei dele quando me perguntaram.

Ele chegou a dizer que não entende o motivo dele estar sempre sendo substituído quando outros jogadores que têm problemas com você continuavam no time.

- Todos os problemas que eu tive com os jogadores foram resolvidos. Não ficou nada pendente. E eu nunca tive problema com o Pet. Tive com o Juan, nós sentamos, conversamos e resolvemos. E eu prefiro nem ficar falando sobre o Pet. Quero conversar com ele internamente. O problema dele foi com a diretoria.

Mas o que pode falar então sobre os problemas do Pet que envolvem a escalação dele?
- Ele teve problemas de ritmo de jogo e até físicos este ano. Mas jogou contra o Caracas, contra o Botafogo, entrou contra o Tigres... Ele vem jogando e tendo oportunidades. Disso ele não pode se queixar.

No elenco do Flamengo, você tem pelo menos quatro jogadores (Adriano, Kleberson, Maldonado e Fierro) que brigam por uma vaga na Copa do Mundo. Até que ponto esse interesse dos jogadores pela Copa pode interferir na escalação? Para muita gente, por exemplo, o Kleberson caiu de rendimento.

- Maldonado precisa de mais ritmo de jogo e o Toró saiu do time por estar suspenso. Eu não vou sacrificar o clube. Não posso pensar no problema de cada um. Se for assim, eu vou ter de colocar o Fierro em todos os jogos. Ele, Kleberson, Adriano, Maldonado... O próprio Love, que corre por fora. O Flamengo está à frente de qualquer coisa. Copa do Mundo não tem peso na minha decisão. Vou colocar quem eu achar que está melhor.


Depois da conquista do Brasileiro, em que patamar o Andrade se coloca como treinador no cenário nacional?

- Eu me coloco na turma que está iniciando. Do Adílson (Batista, do Cruzeiro), do Silas (Grêmio), do Mancini (ex-Vasco)... Mas já tenho um Brasileiro e fui eleito o melhor técnico de 2009. Isso é bom para o currículo.

Mas acha que já pode ser considerado um técnico pronto para comandar qualquer outra grande equipe do futebol brasileiro? No Flamengo, mal ou bem, você já tem identificação com a torcida, conhece bem o clube...

Andrade: Flamengo toma todo seu tempo

- No começo, tinha gente que achava que o Joel e o Lopes tinham identificação com o Vasco. Mas eles deram sequência e fizeram bons trabalhos por outros clubes. Hoje eu me vejo preparado e acho que as pessoas também entendem dessa forma. Estou mostrando meu trabalho, comando um time grande, com estrelas, com jogadores iniciando... Passo por todos os tipos de situação e isso me deixa preparado para qualquer outro clube.

Acompanha os jogos dos outros times? O que tem achado do time do Santos?

- Nesse último fim de semana eu vi os clássicos Vasco x Fluminense e Corinthians x São Paulo. Sempre que dá vejo os jogos do Santos, que hoje é o time que joga o futebol arte, que o público gosta... Mas temos de ver como esse time vai se comportar em momentos decisivos, se vai conseguir ter esse futebol moleque e ousado quando o campeonato se afunilar.

Acha que o Flamengo poderia jogar esse futebol arte também?

- Não com o elenco que nós temos. Temos um grupo vencedor, um time mais competitivo. Temos uma qualidade técnica muito grande, acima da média, mas com jogadores de estilos diferentes dos que têm o Santos.

Como é conviver com os interesses de um grupo cheio de jogadores mais reconhecidos? Você deixa no banco um Maldonado, um Pet, um Angelim... O próprio Denis Marques... Aliás, como está a situação do Denis Marques no Flamengo atualmente?

- Tenho feito um revezamento entre ele e o Mezenga no banco. Ele tem mostrado dentro de campo que tem condições. Vejo que está mais motivado, recebi boas informações do amistoso que disputou contra o Brasília, na última semana, e acho que está merecendo essas oportunidades. No ano passado esteve muito abaixo do esperado. Isso é uma opinião não só minha, mas de todos. Já este ano ele está diferente. Mas só vai jogar quem provar dentro de campo que merece uma chance.


E o caso do Angelim? Ele é um jogador que fez um gol histórico e agora não entra mesmo quando o Álvaro está machucado.

- O Angelim deu uma declaração que estava abaixo dos outros zagueiros. Isso partiu dele. Quando diz isso publicamente, tenho de buscar outras alternativas. Eu já estava pensando em melhorar a estatura do time... Em jogos da Libertadores você enfrenta adversários em campos pequenos e que gostam de alçar bola na área. Contra o Universidad de Chile mesmo enfrentamos o Oliveira, que tem quase 1,90m.

Quando o Fabrício estava pleiteando uma vaga entre os titulares disse que existia um preconceito dentro do futebol de que dois zagueiros canhotos não podem jogar juntos. Você concorda com isso, uma vez que optou pelo David quando o Álvaro se machucou?

- O canhoto, quando tem muita qualidade com a esquerda, não tem muita com a direita. A direita serve só para pegar o ônibus (risos). Você vê jogadores como Rivelino e Maradona. Eles tinham uma canhota excepcional, mas não eram tão bons com a direita. A diferença da perna esquerda deles para a direita era muito grande. Já os destros, normalmente, não têm essa diferença toda. Eu acho que o time ficaria muito torto jogando com dois canhotos. Se eu tenho um zagueiro destro, por que vou improvisar? Se eu fizesse isso, falariam que estaria inventando. É aquela velha história: se saio jogando com o Pet, vão perguntar por que eu não coloquei o Pacheco. Se saio jogando com o Pacheco, vão perguntar por que não o Pet. Nunca vamos agradar todo mundo.

Pensando a médio e longo prazo, como você vê o Flamengo para o Brasileiro? É preciso reforçar este time?

- Não acredito nisso. Temos um grupo forte. Claro que precisaria de reforços se alguém saísse. Mas um jogador com nível de seleção será sempre bem recebido. Se falarem que vem o Ronaldinho Gaúcho eu vou dizer que não quero? Um Kaká? Um Juan? (risos).

Para terminar, existe alguma pergunta que não foi feita e que você gostaria de responder? Você, durante seguidas coletivas, chegou a dizer que sempre perguntam mais sobre os problemas e que esquecem as coisas boas. O você gostaria de falar que ainda não foi perguntado?

- Ás vezes o nosso time vence e ninguém pergunta o que eu achei do jogo, como foi a partida em si. Mas quando o time perde, sempre querem saber o que eu achei e só falam da derrota. Nosso time é o único invicto na Taça Rio. Se o Carioca fosse por pontos corridos, o Flamengo seria o líder. Só perdemos dois jogos este ano: um de Libertadores, no Chile, e outro em um clássico em que jogamos bem.

fonte: globo