segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Celso quer, Celso tem: histórias, gestos e ideias do homem-forte do Flu


Adorado por muitos, temido por quase todos, desafiado por raros, Celso Barros acumula poder, conquistas e decepções como investidor no Flu

Por Alexandre Alliatti e Rafael Cavalieri
Rio de Janeiro


A sala de terceiro andar na Barra da Tijuca não chega a ser um santuário tricolor. Tem dois quadros que remetem ao Fluminense, ambos com Fred em destaque, e a reprodução, em miniatura, de um bar com pequenas referências ao clube - minipôsteres pendurados em miniparedes pintadas de verde, branco e grená. Na prática, é atrás da mesa em destaque no ambiente, sentado em uma cadeira com estofamento de couro, que reside a maior referência ao campeão brasileiro de 2010. Eis Celso Barros, o homem que manda no futebol da equipe de Laranjeiras.
Ele está no prédio da Unimed, a empresa que multiplica a injeção de milhões e mais milhões no Fluminense. Veste calça social e camisa com listras em preto e branco. Tem voz mansa, compartilhada com um sorriso, quando diz:
- Não sei o que vocês querem falar sobre o Celso Barros. Não tenho mais nada para dizer.
Celso Barros entrevista  (Foto: André Durão / GLOBOESPORTE.COM)No trabalho, referência ao Flu: tricolor de coração e profissão (Foto: André Durão / GLOBOESPORTE.COM)
Celso Corrêa de Barros, médico, especializado em pediatria, tem 60 anos - denunciados pelos cabelos grisalhos. Em 14 deles, foi o sujeito responsável por formar a base financeira (às vezes maior, às vezes menor) de um clube em reconstrução. Adorado por muitos, temido por quase todos, desafiado por raros, virou a bengala do clube que ama. É, como diz o hino do Flu, um tricolor de coração. Mas com um adendo: também de profissão.
Entrevistá-lo, para um jornalista esportivo, é falar sobre o Fluminense. Dar entrevista, para ele, é também falar sobre a Unimed, a empresa cuja unidade carioca ele preside desde 1998 - também teve o comando nacional dela por dois mandatos, de 2001 a 2009. Celso Barros equilibra-se entre os dois tópicos. Sabe que é o crescimento do clube que lhe rende maior notoriedade, mas se orgulha ao falar sobre conquistas também na empresa. Parece não querer deixar que nasça um desequilíbrio entre o tricolor de coração e o tricolor de profissão.
Por duas semanas, a reportagem conversou com pessoas que conviveram com Celso Barros. Ouviu manifestações de apreço e de contestação, conheceu histórias de bastidores, percebeu temor em quem fugiu do tema. Os relatos estão abaixo. Nesta terça-feira, o GLOBOESPORTE.COM ainda publica uma entrevista exclusiva com o todo-poderoso do Flu.
Pizzas, camarotes, sutilezas
Celso Barros com Abel Braga durante festa (Foto: Agência Photocâmera)
Com Abel, Celso procura jantar a cada duas
semanas (Foto: Agência Photocâmera)
Quase 20 treinadores passaram pelo Fluminense desde 1999, quando o clube começou a receber o patrocínio da Unimed. Não é por acaso que sete deles, no período, comandaram o time mais de uma vez: Carlos Alberto Parreira, Valdir Espinosa, Oswaldo de Oliveira, Renato Gaúcho, Joel Santana, Abel Braga e Cuca. Celso Barros procura criar uma relação próxima com os treinadores. Por alguns, cria uma estima que pesa em possíveis retornos. Somados os aspectos pessoal e profissional, seu preferido é Renato. No período da parceria entre o clube e a empresa, ele foi o único a comandar o Tricolor três vezes. Celso Barros passou o réveillon de 2010 na casa do ex-atacante. Recebeu um prato de comida das mãos dele, em meio a manifestações de carinho. A relação é quase familiar.
Com Abel Braga, o atual comandante do Flu, Celso Barros procura jantar a cada duas semanas. Ele não é exceção. O investidor busca algum tipo de proximidade com todos os técnicos. Acaba ficando mais íntimo de alguns do que de outros, dependendo de quão expansivo é o treinador.
A tentativa de aproximação por vezes assusta. Em 2 de novembro de 2008, o Fluminense levou 1 a 0 do Vasco pelo Campeonato Brasileiro. Depois do jogo, Branco, na época coordenador do Tricolor, disse ao técnico René Simões que Celso Barros queria comer uma pizza com ele. O treinador, em um primeiro impulso, não aceitou. Estava convicto de que escutaria cobranças, pressões. Branco insistiu. René anuiu. Eles foram para a pizzaria. Entre uma fatia e outra, Celso Barros disse ao técnico que o trabalho dele era muito bom, que tudo estava no caminho certo, que a derrota havia sido injusta. Dois meses depois, o Flu se livraria da ameaça de rebaixamento.
Mas ela voltaria no ano seguinte - a fatídica temporada do 1% de chance de permanência na Série A. René Simões saiu. Entrou Parreira. E Celso Barros surpreendeu o treinador campeão mundial de 1994. Em meio a convites para que o técnico fosse até o camarote dele no Maracanã, depois das partidas, acabou acontecendo uma conversa. Nela, o presidente da Unimed disse a Parreira que sua preferência era Renato Gaúcho. Não disse que não queria Parreira no Fluminense, mas disse que preferia Renato. O treinador entendeu. Meses depois, ele deixou o clube e criticou o poder da empresa sobre o Fluminense. Mas não criou antipatia a Celso Barros.
A reportagem do GLOBOESPORTE.COM não teve qualquer confirmação de que o presidente da Unimed, em algum momento, tenha tentado influenciar em escalações. Os treinadores negam. Ele também. Mas Celso Barros não esconde suas preferências. Em conversas com os técnicos, usa de sutileza para dizer o que pensa sobre o time. Aí cabe ao treinador acatar ou não.
- Ele sabe com quem se mete. Comigo, nunca teve nada. Nada de recadinho, nada de pedido. Nada - disse Parreira.
- Isso é uma lenda - garantiu Celso Barros.
De lágrimas e cânticos
Na madrugada de 7 de junho de 2007, Celso Barros estava em Florianópolis. Mais precisamente, no estádio Orlando Scarpelli. Mais precisamente, diante de um elenco recém-vencedor da Copa do Brasil. Ele pediu a palavra. Agradeceu aos jogadores pelo esforço, parabenizou a todos pelo título. E avisou que o prêmio pela conquista seria aumentado (veja no vídeo ao lado). Os boleiros comemoraram como se tivessem ganho mais um título. Imediatamente, começaram a gritar o nome de Celso Barros; em seguida, puxaram um cântico.
- P... que pariu, é o melhor patrocínio do Brasil!
Celso Barros não sabia se ria, comemorava ou dançava. Fez os três, enquanto era abraçado por jogadores.
Os atletas costumam gostar do investidor. Carisma à parte, há um motivo claro para isso: ele paga em dia, e bem. Para profissionais acostumados a ver os meses romperem o conceito de tempo e terem muito mais do que 31 dias, é fundamental.
- Ele não gosta de dever a ninguém. Ele diz que não gosta de dever aos outros. A parte da Unimed eu recebi imediatamente. Nosso último jogo (em 2008) foi com o Ipatinga. À noite, ele pagou tudo que tinha que ser pago da Unimed. Ele não queria que os jogadores entrassem em férias sem ter recebido - lembrou René Simões.
Deco fred celso barros fluminense camarote (Foto: Reprodução / Twitter)Com Deco e Fred: pagar em dia ajuda na relação com os atletas (Foto: Reprodução / Twitter)
A exemplo do que acontece com os treinadores, há jogadores com os quais Celso Barros teve maior intimidade. Alguns deles passaram a se sentir íntimos do homem que, na prática, era o chefe deles. O ex-centroavante Washington viveu uma situação emblemática.
No início do ano passado, o jogador decidiu que deixaria o futebol. Antes de anunciar a escolha, foi falar com Celso Barros. O investidor disse que apoiava a ideia. Washington começou a chorar. Foi parar nos ombros do presidente da Unimed, que também teve que lidar com lágrimas. Viraram amigos. Atualmente, o Coração Valente mora em Caxias do Sul. Em recente visita ao Rio de Janeiro, saiu para jantar com ex-chefe.
Celso Barros raramente vai ao vestiário. Frequentar treinos também não é um gesto frequente. Quando faz manifestações ao elenco, costuma falar em tom de incentivo. Mas nem sempre. Em novembro de 2008, antes de o Fluminense dar continuidade a um jogo interrompido por falta de luz contra o Figueirense, o investidor pediu para conversar com os atletas na concentração. E elevou o tom. Fez cobranças. Exigiu dedicação. Chutou o balde. Os boleiros se surpreenderam. A partida terminou com vitória de 1 a 0 para os cariocas.
Músicas, bandeira e carteirinhas (não necessariamente da Unimed)
bandeirão celso barros (Foto: Reprodução FluDigital / Site Oficial)
Torcida cria bandeira para Celso Barros
(Foto: Reprodução FluDigital / Site Oficial)
O Fluminense, já com o apoio da Unimed, teve lá seus momentos de desgosto. O time de 2004, tão promissor, não funcionou; o de 2005 decepcionou na reta final do Brasileirão; os de 2008 e 2009 quase foram rebaixados. O outro lado da moeda traz o título da Copa do Brasil de 2007, a conquista do Brasileirão de 2010 e a presença, pela terceira vez em cinco anos, em uma Libertadores, o que inclui o vice de 2008.
As idas e vindas dos resultados fizeram Celso Barros sentir as duas faces da torcida. Em momentos de vitória, ele teve o nome gritado, foi saudado, ganhou até uma bandeira com seu rosto desenhado. Viu torcedores mostrando a carteirinha da Unimed. Em fases de derrotas, foi contestado, vaiado. E o mais engraçado: viu torcedores mostrando carteirinhas de outros planos de saúde.
Para a torcida, Celso Barros virou uma figura emblemática. Tricolores criaram cânticos curiosos para ele.
- Urubu otário, o Celso Barros tem dinheiro pra c... – ironizaram, em referência à derrota do Flamengo na disputa por Thiago Neves, quando o jogador foi apresentado em Laranjeiras.
- O Celso vai te comprar - cantarolaram torcedores para Jonas, na época atacante do Grêmio, no prêmio Craque do Brasileirão de 2010, em uma versão da música para Fred ("o Fred vai te pegar...").
O presidente da Unimed dá autógrafos. Tira fotos com torcedores. Por vezes, é assediado como se fosse jogador. Mas diz que não se empolga.
- Sei que, em um momento difícil, a crítica virá.
Família, quem diria, tem origem rubro-negra
É uma daquelas ironias do futebol. Celso Barros foi criado em uma casa flamenguista. O pai dele era rubro-negro. O irmão, idem. A irmã, também. Ele não lembra o exato instante em que virou tricolor. Acredita que tenha sido por influência de dois tios - torcedores do Fluminense e médicos.
Com o tempo, passou a frequentar os estádios. Enturmou-se com um grupo de tricolores no Maracanã - um deles, português, causava estranheza por não ser vascaíno. Chegou a participar de excursões para partidas fora de casa. Mal sabia que, anos depois, daria as cartas no clube.
Celso Barros é um tricolor fanático. Em 2008, estava nos camarotes do Maracanã na derrota nos pênaltis para a LDU, na final da Libertadores. Passou horas conversando com convidados, segurando as pontas, tentando se controlar. Chegou em casa às 4h. Sentou-se na cama e desabou.
- Chorei muito. Muito mesmo.
Ele lembra com carinho especial de um jogo ocorrido quatro anos antes de a Unimed começar a investir no Fluminense. Era 1995. Final do Campeonato Carioca. O gol do título saiu no último minuto - um chute cruzado de Aílton, um desvio de barriga no meio do caminho. Nervoso ao extremo, Celso Barros havia abandonado o televisor, havia saído do apartamento, havia entrado no elevador, havia deixado o prédio onde morava. De repente, ele ouviu um grito saído do 12º andar: “Neeeeeeeeeeeeeense!”. Era a filha dele, Paula, comemorando o gol de Renato Gaúcho - aquele mesmo que viraria o preferido dele anos depois, aquele mesmo que treinaria o Fluminense três vezes, sempre com o apoio do patrocinador.

Críticas

Celso Barros não é imune a contestações. Elas existem, direcionadas ou à figura dele, ou à parceria entre Fluminense e Unimed. A principal crítica é de que a empresa só se envolve com o clube na hora de contratar jogadores, algo que dá retorno em visibilidade. A patrocinadora é pressionada a também investir nas categorias de base ou em centros de treinamento para o clube.
A oposição a Celso Barros não sobrevive muito tempo, dizem aqueles menos simpáticos ao chefão do futebol tricolor. Ex-dirigentes acreditam que saíram, em boa parte, por não concordar com o presidente da Unimed. É o caso de Ricardo Tenório, ex-vice-presidente de futebol do clube.
- Este modelo às vezes é bom para o Fluminense, às vezes é bom para a Unimed. E é sempre bom para o Celso. Hoje, ele tem 90% do clube nas mãos dele - opinou Tenório.
Os críticos indicam que é difícil dobrar Celso Barros: que ele prefere investir em jogadores mais caros, em contratações mais arriscadas, mas que dão holofotes, do que apostar em projetos de médio e longo prazo, com atletas que possam evoluir no clube. O patrocinador afirma que as decisões são sempre debatidas com os dirigentes do clube.
Celso Barros garante que a Unimed está disposta a investir em outras áreas do Fluminense. Mas é constante a preocupação de tricolores com a dependência gerada pela parceria, que esteve ameaçada mais de uma vez.
- Existe uma dependência. Não sei se é bom ou ruim, mas existe - comentou Parreira.
Música, teatro, carnaval e futebol
celso barros edinho e marquinho camarote unimed sapucaí (Foto: Divulgação)
Com Edinho e Marquinho na Sapucaí: apreço pela
Mangueira (Foto: Divulgação)
Falta tempo livre a Celso Barros. Um exemplo: a entrevista com ele foi marcada para as 12h de uma segunda-feira. Ele chegou às 13h30m. Em seguida, já tinha uma reunião com diretores da Unimed.
Quando sobra a chance para um pouco de lazer, o chefão do futebol tricolor se divide entre shows de música brasileira, idas ao teatro e espiadas em jogos pela televisão. Recentemente, assistiu a uma apresentação de Chico Buarque numa casa de espetáculos no Aterro do Flamengo. Em um domingo, viu dois jogos seguidos na sala de casa: Nova Iguaçu x Botafogo e Santos x Paulista.
Também gosta muito de carnaval. E se dá ao direito de torcer pela Mangueira, às vezes relacionada ao Flamengo. Argumenta que Chico Buarque e Cartola, tricolores ilustres, compartilharam o amor pela escola de samba.
- Não que eu me compare a eles - ressalva.
‘Jogador não falta para dar capa’
Os dois quadros de Fred que estão na sala de Celso Barros são capas de jornais. Questionado sobre por que o atacante tem espaço cativo ali, o presidente da Unimed disse que não passa de uma coincidência. Foram presentes que ele recebeu. Em meio ao comentário, porém, o investidor soltou, provavelmente sem perceber, uma frase simbólica sobre a relação profissional entre ele e o clube.
- Jogador não falta para dar capa...
Romário, Edmundo e Roger. Petkovic, Carlos Alberto e Conca, Washington, Dodô e Leandro Amaral. Fred, Deco e Emerson. Rafael Moura, Rafael Sobis e Wagner. E, claro, Thiago Neves. Quem Celso Barros quis, Celso Barros teve nos últimos anos. Agora, ele sonha com o título da Libertadores, para secar as lágrimas de 2008, para ir ao Mundial, para chegar ao topo da união entre o tricolor de coração e o tricolor de profissão.
fonte: globo