segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Pomada, sal e até saco plástico: veja como brasileiros driblam frio europeu


Destaques das principais ligas da Europa confirmam que temperatura está mais baixa que o habitual e revelam o que fazem para enfrentar o inverno

Por Marcos Felipe e Thiago Barros
Rio de Janeiro


Mais de 300 mortos, temperatura chegando a cerca de 15 graus negativos e muita, muita neve. O inverno na Europa (saiba mais no vídeo ao lado) está sendo mais rigoroso do que se esperava e todas as consequências se refletem também no futebol. Não somente nos campeonatos do Leste Europeu, que tradicionalmente param nesta época do ano, como também nas principais ligas do Velho Continente, como a italiana, a inglesa, a francesa e a espanhola. Na última semana, diversas partidas foram adiadas, rotinas de treino foram modificadas... E nos próximos dias a expectativa é de que nada disso mude.
Segundo os serviços meteorológicos, a onda de frio vem da Sibéria e as temperatuas baixas devem se prolongar pelo menos até o final da semana. Os países mais ameaçados são Ucrânia, Polônia e Rússia. Mas a Inglaterra, por exemplo, vem sofrendo com cancelamento de voos e com a possibilidade de uma greve dos meios de transporte por conta da neve. Aulas foram canceladas, estradas interditadas e até os bichos em zoológicos preocupam. O que fazer, então, quando é preciso ignorar tudo isso e ir para campo para disputar uma partida de futebol?
O GLOBOESPORTE.COM ouviu atletas e profissionais brasileiros de diversos países que estão sofrendo com a onda de frio para saber como os termômetros abaixo (ou perto) de zero podem afetar uma equipe. Daniel Jouvin, preparador físico ex-Flamengo e que hoje trabalha no Bayer Leverkusen, da Alemanha, explica que pouca coisa muda no dia a dia, já que os clubes europeus estão muito bem preparados para lidar com estas situações.
- Não é fácil, especialmente para quem não é europeu ou está voltando de lesão. Mas aqui já há uma estrutura muito boa para isso. São roupas para o atleta aquecer o corpo, os campos e até os bancos de reserva têm aquecimento, existem pomadas para passar nas articulações... Tudo isso facilita muito. Além disso, é claro, é preciso fazer um aquecimento forte para evitar qualquer tipo de lesão muscular - disse Jouvin.
Ele admitiu, entretanto, que os últimos dias estão sendo bem diferentes do normal.
- No sábado, dei um treino quando eram mais ou menos oito horas da manhã. Nunca vi nada parecido. Parecia que eu estava na Sibéria, treinando outro esporte. Era uma camada de muito gelo em cima do gramado. Mas com o equipamento certo e uma preparação boa, isso não faz muita diferença, não. Lembro até de um jogo em que o treinador veio conversar comigo sobre o Renato Augusto, que estava voltando de lesão e ia pegar 20 graus negativos na Ucrânia. Mas confirmei que ele poderia jogar, ele entrou em campo e foi o melhor do jogo, que ganhamos de 4 a 1 - observou.
Sandro curte a neve em Tottenham (Foto: Divulgação)Sandro, do Tottenham, curte a neve em Londres e aproveita para tirar fotos (Foto: Divulgação)
Principal dica: "uniforme ninja"
O goleiro Diego Alves, do Valencia, explica que, para a temperatura cair tanto na Espanha é porque a situação está muito complicada na região. O jogador revelado pelo Atlético-MG lembra que seus colegas de posição sofrem ainda mais com estas condições climáticas e revelou parte de seus rituais para as partidas neste frio - que não envolvem urinar nas calças, como o goleiro do Saint-Étienne.
JOGADORDICA 'ANTI-FRIO'
Diego Alves (Valencia)Aquecimento e meia curta por baixo do meião
Jonas
(Valencia)
Calefação, gorro, luva e proteção para o pescoço
Thiago Silva
(Milan)
Pomada para esquentar os dedos
Maicon
(Volyn)
Água quente e sal para evitar queda de unhas
M. Vinícius
(Istambul)
Saco plástico nos pés para aquecer
 - Estou aqui desde 2007 e nunca sofri como estamos sofrendo agora. Nos treinos, dá para colocar várias roupas e manter a temperatura do corpo, mas no jogo não é permitido usar gorro nem proteção de pescoço, por exemplo. A saída é ficar sempre se aquecendo, nunca parado. Jogo com duas meias, uma curta por baixo do meião, porque o gramado está sempre molhado e nós passamos os 90 minutos molhados - disse.
Completando um ano no futebol espanhol, o atacante Jonas, companheiro de Diego Alves no Valencia, saiu do Grêmio. No entanto, diz que não há como comparar o que está passando agora com Porto Alegre, uma das cidades mais frias do Brasil no inverno. Na Europa, segundo ele, é preciso utilizar todo o tipo de ajuda oferecida pelo clube: "gorro, luva, proteção para o pescoço, três camisetas de manga longa, duas mais finas e uma bem grossa" - no melhor estilo "ninja" utilizado também por Cristiano Ronaldo.
- Essa semana foi de doer. Sexta e sábado estava difícil até para treinar. Eu já peguei parecido em Porto Alegre, mas aqui está pior, porque tem muito vento. Chega a arder o rosto. Para driblar o frio, fico quietinho em casa, mandando ver na calefação. Já no treino, deixo só os olhos de fora. Coloco tudo que o clube oferece: gorro, luva, proteção para o pescoço, três camisetas de manga longa, duas mais finas e uma bem grossa. O pessoal que mora aqui há mais tempo diz que é raro fazer esse frio todo. Acho que não estou dando sorte! (risos) - comentou.
Nas folgas, segredo é ficar "quietinho em casa"
O Campeonato Francês foi um dos que mais sofreram. O jogo do Saint-Etienne, no último fim de semana, foi suspenso, e outras duas partidas foram canceladas. Nesta segunda-feira, a Federação de Futebol Francês também cancelou três partidas pela Copa da França. Na Itália, diversas partidas, inclusive o clássico entre Roma e Inter de Milão, acabaram sendo adiadas. O campeonato agora tem equipes com três números de partidas diferentes na tabela. O líder Juventus, por exemplo, tem 21 jogos disputados, assim como o Roma. Milan, Napoli e Lazio, que fecham o G4, tem 22. Mas há equipes, como o Catania, com somente 19. 
piscina de Thiago Silva congelada (Foto: Divulgação / Arquivo Pessoal)
Piscina de Thiago Silva 'congelada' em Milão
(Foto: Divulgação / Arquivo Pessoal)
Após tanta confusão, Thiago Silva conta que o bom mesmo, nesse tempo, é ficar curtindo a esposa Isabelle e os sobrinhos Matheus e Fabio Jr. nos momentos de folga. Mas, é claro, sem sair de casa. Afinal, até mesmo a água de sua piscina congelou... O defensor diz ainda que, assim como Diego Alves e Jonas, ele também tem sua rotina pré-jogo nesse frio.
- Antes e durante os jogos e treinos, eu passo uma pomada que esquenta tanto os dedos dos pés como os das mãos. Depois de treinar ou jogar, não tem como fazer outra coisa. Não dá para sair. Vou direto para casa e fico vendo filmes com minha esposa e meus sobrinhos - comentou o zagueiro.
Renato Augusto, ex-Flamengo e hoje no Bayer Leverkusen, da Alemanha, onde o frio é intenso mas ainda não neva, não esconde que sente falta da boa praia carioca nestes momentos.
- Realmente, o frio aqui está intenso. Os termômetros estão marcando menos cinco graus em Colônia. Mas os clubes aqui estão acostumados. No começo, eu sofri muito, mas agora já não interfere tanto no meu dia a dia. O mais difícil é conversar com os amigos que estão no Rio de Janeiro e saber que está um solzão de 40 graus. Aí bate aquela saudade de ir à praia. Mas nada que não se resolva nas férias e nos períodos de folga - brincou.
jogadores do Lorient no frio  (Foto: AFP)Jogadores do Lorient usam cobertores para se protegerem do frio contra o Saint-Etienne (Foto: AFP)
Alguns brasileiros "curtem" o clima mais frio
O jovem Juan, que mal chegou a Milão para jogar no Internazionale, após deixar o Internacional gaúcho, concorda com o novo rival. Ele revela que os estabelecimentos comerciais, obviamente, são aquecidos. Mas o choque térmico ao qual a pessoa é submetida ao sair deles pode acabar sendo péssimo. Apesar disso, ainda muito empolgado com a chegada à Europa, ele diz estar gostando do novo clima.
Ramires do Chelsea brinca na neve (Foto: Divulgação)
Ramires do Chelsea brinca na neve em Londres
(Foto: Divulgação)
- O bom é que em praticamente todos os lugares fechados a temperatura é boa, mas o choque quando sai do ambiente assim é grande. Depois dos treinos o ideal é ficar em casa ou ir para algum local fechado. Foram poucos dias na Itália, mas gostei desse clima - destacou.
Quem também curte este "friozinho", porém destaca a diferença de temperatura entre locais fechados e ruas, é o volante Sandro, do Tottenham. Ele admite que o frio vem sendo cada vez mais intenso na Inglaterra, mas ressalta a beleza da neve para justificar seu gosto pelo inverno. Vale lembrar que, na Terra da Rainha, o campeonato principal não sofreu alterações - apesar do jogo do City, por exemplo, ter sido debaixo de neve -, mas a segunda divisão teve três jogos adiados.
- É a primeira vez que a minha família está aqui na Inglaterra e vê a neve. O que o pessoal recomenda é a gente usar o máximo de roupas quentes possíveis e tentar não passar muito tempo na rua, principalmente à noite, que é muito frio. Em todo lugar aqui tem aquecimento, então ajuda bastante, mas quando você sai de onde está, parece que entra em um congelador (risos). Mas para mim é bonita essa época, eu curto - contou o volante, que encontrou eco nas declarações de outro "inglês": Ramires, do Chelsea.
- Para nós, que somos brasileiros, nevar é sempre um acontecimento. A varanda do meu apartamento ficou cheia de neve. Aproveitei para brincar com meu filho e tirar algumas fotos para mostrar para família - comentou.
Leste Europeu: calendário feito pensando no frio
Os clubes dos países onde faz mais frio, como a Ucrânia e a Rússia, não vêm sofrendo tanto quanto a população destes locais. Afinal, as ligas já criam seus calendários cientes do quanto o inverno pode ser prejudicial. Nesta época do ano, os campeonatos nacionais param e os times fazem excursões por outros países. Por exemplo, o Anzhi, de Roberto Carlos e Samuel Eto'o, que disputa o Campeonato Russo, foi para Dubai e agora está treinando na Espanha - onde também estão os ucranianos do Shakhtar, de William.
Willian treina com o shakhtar na neve na ucrania (Foto: Divulgação)
Willian está acostumado com o frio na Ucrânia
(Foto: Divulgação)
- Aqui na Espanha estamos treinando com uma temperatura de 15º, 16º positivos, enquanto em Donetsk nesse momento está fazendo -10º, -15º. Se estivéssemos lá, estaríamos mais expostos as lesões e não conseguiríamos treinar com bola. Com -10º a gente só faz uma corrida em volta do campo e academia, enquanto aqui estamos treinando com bola, fazendo amistosos - contou o apoiador.
O brasileiro Maicon Oliveira, um dos artilheiros do Campeonato Ucraniano com 11 gols, diz que costuma fazer um tratamento com água quente e sal para tentar evitar a queda das unhas por conta do rigoroso inverno no Velho Continente. Segundo ele, é preciso tomar o máximo de cuidado possível.
As vezes até perco as unhas em função da baixa temperatura e tenho que fazer tratamento com água quente e sal"
Maicon Oliveira
- Além da dificuldade do campeonato, o frio castiga muito os jogadores. Já enfrentei temperaturas de -20 e -15. Quando isso acontece, colocamos uma calça térmica e mais outra por baixo para treinar. Usamos duas camisas, uma térmica, além de um casaco especial que ajuda a aumentar o calor. Já passei por grandes dificuldades em função do frio. Agora mesmo estou treinando com a unha roxa e sangrando por causado frio. As vezes até perco as unhas em função da baixa temperatura e tenho que fazer tratamento com água quente e sal. Temos que ter um cuidado enorme - explicou.
Marcus Vinicius, do Istambul Buyuksehir, da Turquia, dá uma dica curiosa: saco de plástico nos pés para aquecê-los e facilitar a movimentação.
- O principal problema do frio forte é nas extremidades do corpo. As mãos e os pés sofrem demais. Além de usar as luvas, eu costumo encapar os pés com sacolas plásticas. O pé fica abafado e esquenta porque não fica com o contato apenas entre a meia, a chuteira e a neve. Se não usar o saquinho, a dor é muito forte e você acaba limitado dos movimentos - afirmou.
Resta aos europeus e aos brazucas se protegerem como for possível - e torcer para que essa onda de frio passe logo. Afinal, não é só o futebol que sofre com isso, mas toda a sociedade no Velho Continente. Até o momento, mais de 15 jogos já foram adiados na Europa - número que não chega nem perto ao de mortos por conta do clima, que está na casa dos 300.
preparação do estádio Gerland em Lyon devido a neve (Foto: AFP)Estádio do Lyon, da França, é preparado para evitar a neve nas próximas rodadas do campeonato (Foto: AFP)fonte: globo