quarta-feira, 8 de julho de 2015

Gol de quem?

Há um ano trocamos a música principal de nossa trilha sonora.. 

Saiu “Imagina na Copa”. 
Entrou “Gol da Alemanha”. 





Deputado é preso? Gol da Alemanha.
Empreiteiro pagou propina? Gol da Alemanha.
A luz aumentou? Gol da Alemanha.
Paraguai classificado? Gol da Alemanha.
Maioridade penal? Gol da Alemanha.
Políticos algemados? Gol da Alemanha.
Policiais baleados na cidade pacificada? Gol da Alemanha.

Há um ano, a Seleção Brasileira sofreu a pior derrota de seus 100 anos de história. Tomou de sete. Numa Copa do Mundo. Em casa. Foi o maior e mais inacreditável chucrute futebolístico que este planeta já viu. Não vimos o soco vindo. Ele nos pegou no meio das fuças e nos lançou girando na lona. 

Na lona estamos desde então - sentindo a camisa amarela esgarçada. Tomamos humildade na veia. Passamos a questionar nossa única e ancestral certeza - a de que éramos bons de bola. Qualquer derrota futebolística normal já mexeria com nosso imaginário. Essas mega-giga-ultra mandioca em forma de saudação então...

De repente, não somos os melhores do mundo. E  o “gol da Alemanha" virou nosso suspiro resignado. Revisitamos o narciso às avessas de Nelson Rodrigues. Temos cuspido e escarrado em nossa imagem desde então - e são escarros guturais, densos, daqueles puxados da traqueia profunda.


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Adoramos procurar defeito em nossos heróis. Nos esforçamos para desnudá-los e
humanizá-los. Pelé? Não pode falar. Zico? Perdeu pênalti. Ronaldo? Chapa-branca. Dunga? Um bronco. Preferimos os anti-heróis malandros - aqueles que caçam otários e transpiram rebeldia. Romário, que nunca quis treinar. Edmundo, que sempre foi louco. Sócrates, que fumava.  Gostamos dos rebeldes que botam dedos em feridas - porque desconfiamos de qualquer perfeição. Somos caçadores da hipocrisia alheia.

A cintura-dura dos alemães nos botou na roda. Nós que sempre preferimos o drible ao passe, a beleza individual ao jogo coletivo, nos tornamos prisioneiros da arrogância. O complexo de superioridade latiu alto. Nos achamos mais espertos, mais habilidosos, com mais ginga, mais malandros. Será que somos?

E cumpre sempre perguntar - num país só de malandros… quem é o otário? Quando preferimos não responder essa pergunta - continuamos a viver sob a lei de Gérson na selva tupiniquim. Quem não gosta de levar vantagem em tudo? A agenda de Paulo Roberto Costa, o celebre delator da Petrobras, tinha uma citação de Millor Fernandes:

"Acabar com a corrupção é objetivo supremo de quem ainda não chegou ao poder"

Se o Maracanazo foi Hiroshima, nosso 7 x 1 foi um cruzamento de Nagasaki com Batalha de Itararé. Uma segunda bomba atômica numa batalha que nunca houve. A Alemanha jogou bonito. O Brasil perdeu feio. E agora? Será que nossa crise moral e econômica e política traz alguma esperança - ou semente de futuro? Será que existem apenas vilões e certezas?

Há um ano, na manhã do dia 8 de julho, numa esquina fora do espaço e’do tempo, Pacheco encontrou um vidente irônico. O vidente olhou para Pacheco, verde-e-amarelo do calcanhar às bochechas - e anunciou:

- Depois dessa Copa vocês jamais se lembrarão do Maracanazo.

Pacheco, o eterno otimista, sorriu. O vidente continuou. Avisou que o Brasil era o país do futuro - que mudaria muito entre 2014 e 2015. Empreiteiros e políticos seriam presos. Cartolas iriam para a cadeia. No auge do sorriso de Pacheco, porém, ele atalhou:

- Ah, a luz vai dar uma aumentada e o Dunga vai ser técnico da seleção.

E em dizendo isso desapareceu no ar. Pacheco sorriu e pensou que era pegadinha. Não era.

Se no dia 9 de julho de 2014, se esse vidente se aproximasse de você com sua bola de cristal e mostrasse a paisagem do futuro… você quebraria a bola e enxotaria o vidente como charlatão.

De um ano pra cá, um candidato a presidência morreu no auge da campanha. Uma eleição aconteceu em clima hostil. Vislumbramos a prisão de empreiteiros em série. Corruptos assumiram propinas e devolveram dinheiro roubado. Cartolas foram presos. E Dunga é realmente o técnico da seleção.

Mas algumas mudanças aconteceram neste silêncio. E parecemos ignorá-las. 

Imagine, por exemplo, José Maria Marin na manhã de 8 de julho de 2014. Se ouvisse ouvisse bom dia em alemão certamente acharia que era piada. Em 8 de julho de 2015, ele vai achar que é o café da manhã. O que mudou nesse ano para Marin além do endereço? Em 8 de julho de 2014, Marin era presidente da CBF. Um ano depois, trocou seus apartamentos do circuito Nova York-São Paulo-Rio de Janeiro por uma cela em local insabido na Suíça.  Foi ejetado de seu cargo de vice-presidente da CBF e ainda teve seu nome removido da fachada do prédio.

Gol de quem?

Imagine, por outro lado, Paulo Roberto Costa um ano atrás. Em 8 de julho de 2014, o ex-diretor da Petrobras estava em liberdade depois de passar 59 dias na cadeia e não tinha ainda se tornado delator. Havia dado um depoimento, dois dias antes da abertura da Copa, na CPI da Petrobras no Senado. No depoimento, PRC se dizia profundamente injustiçado e rebatia todas as acusações de corrupção que o Ministério Público fazia. E dizia o seguinte:

a) ”Não existe lavagem de dinheiro de Petrobras para Alberto Youssef. Eu não sei de onde inventaram essa história.”
b) Eu não me considero homem-bomba de maneira alguma, porque, como eu mencionei anteriormente, Senadora, eu tive extremo zelo e cuidados com os assuntos da Petrobras”

Em 8 de julho de 2015, Paulo Roberto Costa usa tornozeleira eletrônica e está sob prisão domiciliar. Em setembro de 2014, ele fez um acordo de delação premiada, assumiu que recebeu propinas e puxou fortemente o fio da corrupção na Petrobras. Desde então já deu mais três depoimentos em CPIs e admitiu que todas as acusações que desmentiu categorica e enfaticamente naquele 10 de junho eram verdadeiras.

 Gol de quem?

Até 8 de julho de 2014, Luiz Felipe Scolari era conhecido como o técnico que trouxe o penta para o Brasil. A partir de então acrescentou a “maior derrota da história” em seu currículo de treinador. Depois da Copa, passou pelo Grêmio sem sucesso algum e foi treinar o Guangzhou Evergrande da China - onde, numa ironia algo vil, ganhou por 7 a 0 (do Chongging Lifan) no último domingo

Em 8 de julho de 2014, Neymar Junior era um espectador contundido. Hoje, um ano depois, é estrela solitária de uma geração questionada - e enfrenta problemas dentro e fora de campo. No Barcelona, ganhou tudo. Na Seleção, ganhou interrogações. Na justiça, enfrenta acusações de sonegação no processo de sua venda para o clube catalão.

Nossos heróis sempre oscilaram entre macunaímas e capitães nascimento. Entre heróis sem caráter ou personagens que atropelavam meios em busca de fins.  O Brasil hesita entre invejar o sucesso e venerá-lo acima do bem e do mal. Neymar deve responder na justiça caso tenha errado. Mas não merece a cruz em que já queremos pregá-lo - como se estivesse acima de qualquer pecado. Ele tem 23 anos. É novo. Erra e acerta. Que ele aprenda com os erros e amadureça - como, de resto, esperamos que aconteça com a Terra de Santa Cruz. 

Não faltam gols nem Alemanhas em nossa história. Felipão perdeu deles na semifinal. Mas ganhou na final. O passado se mistura quando antigo. Daqui a alguns anos 2002 e 2014 serão pasta da mesma memória. É hora de trocar de música novamente. Tudo passa - até mesmo a derrota maior. 


FONTE: GLOBO