"Vamos estar juntos sempre", diz meia do Lazio sobre acusação de homicídio do pai. Xodó na Itália, atleta mostra dia a dia em Roma e revela contato com craque do Barça
Há pouco mais de duas semanas, Felipe Anderson estava vivendo um verdadeiro conto de fadas na Itália: titular indiscutível do Lazio, o brasileiro havia superado o difícil começo no país para se tornar no craque do time nesta temporada, criando jogadas (cinco assistências) e finalizando (seis gols marcados). Apelidado de "Príncipe do Calcio" pela imprensa italiana, o ex-santista viu o seu bom momento ser drasticamente travado por duas graves notícias: a primeira foi ter o pai, Sebastião Tomé Gomes, acusado por duplo homicídio em Brasilia; poucos dias depois, uma lesão no joelho o obrigou a parar por quase um mês. O GloboEsporte.com encontrou Felipe Anderson em Roma e o atleta afirmou que o drama familiar não vai atrapalhar o seu rendimento em campo.
- Eu estive no Brasil esses dias, mas eles mesmos pediram para eu ficar aqui, sabem que estou vivendo um momento maravilhoso, importante. Eu sou forte, aprendi a ser forte com toda a minha família, porque já passamos muitas dificuldades quando eu era mais novo, aprendi a ser forte criança, e estamos juntos, estamos sempre falando. Com certeza, um momento difícil que a gente vai passar junto, como sempre, passamos momentos bons e difíceis, meu pai é tudo para mim e vamos estar juntos sempre - disse.
Felipe Anderson recebe o GloboEsporte.com em Roma: sucesso no Lazio nesta temporada (Foto: Claudia Garcia)
Sobre a lesão no joelho que travou a sua sequência de boas exibições e uma média de quase um gol por jogo nos últimos dois meses, o meia revelou estar quase pronto para voltar a treinar com os companheiros e garantiu não temer uma queda de rendimento no regresso aos gramados.
- Fisicamente eu estou bem, agora só preciso ganhar ritmo de jogo novamente para voltar a fazer gols. Mas eu estou confiante no meu talento e a diferença é que agora o time também confia muito em mim, isso muda a sua confiança, é importante. Espero voltar a fazer tudo o que fiz ao longo desses dois meses.
No dia a dia, Felipe Anderson vive como um verdadeiro cidadão romano. Apaixonado pela culinária italiana, ele se delicia com o seu prato preferido - a pasta a carbonara - em visitas aos restaurantes da cidade. Passeia frequentemente com o irmão e a irmã, que também vivem em Roma e com amigos que fazem visitas regulares, como o goleiro Rafael, do Napoli. Mas o jogador de Brasília não fica só entre brasileiros e se adaptou bem ao multiculturalismo do vestiário do Lazio. Partidas de tênis na casa do alemão Klose, saídas com o holandês De Vrij e jantares em restaurantes portugueses com Pereirinha são alguns dos programas do brasileiro na capital italiana. No tênis, Klose ganha sempre e em campo, o maior artilheiro das Copas do Mundo foi quem mais surpreendeu.
Meia brasileiro tem seis gols marcados e virou a referência do Lazio (Foto: Agência EFE)
- Ele joga muito tênis, é competitivo. É um dos meus melhores amigos no Lazio. Ele me dá muitos conselhos, você nunca viu ele treinar. É incrível, depois da Copa do Mundo e de ser campeão do mundo, ele ainda voltou treinando com mais garra. Nunca vi ele treinando tanto como esse ano - contou.
Os amigos da época do Santos, como Neymar, ainda fazem parte da vida do meia, que fala regularmente com o camisa 11 do Barcelona e recebe conselhos do craque da Seleção de Dunga.
- O Neymar fala que tem de ser ousado, tem de ir para cima porque a gente tem de se adaptar ao futebol deles sim, mas não podemos mudar o nosso estilo. Ele acompanha alguns jogos, elogia, eu o elogio, eu dou boa sorte, parabéns depois dos jogos. Estou muito feliz com o sucesso dele, torço muito por ele, graças a Deus está dando tudo certo para a gente e quem sabe um dia a gente não se encontra de novo.
Confira abaixo a entrevista completa com Felipe Anderson:
GLOBOESPORTE.COM: Como é o seu dia a dia em Roma?
FELIPE ANDERSON: Eu vivo perto do CT do Lazio, um pouco fora da cidade, não vivo mesmo mesmo em Roma, porque é uma cidade mais agitada. Então eu preferi morar em um lugar mais tranquilo. O dia a dia é treino, casa, descanso, de vez em quando eu e o meu irmão vimos passear em Roma, que é linda e tem muita coisa para ver, mas eu gosto de ficar em casa, sou tranquilo.
O que é que foi mais difícil na sua adaptação?
O único probleminha foi a língua, demorei uns dois, três meses para começar a entender e falar um pouquinho. Mas na cidade, com a comida e as pessoas, eu me senti muito bem desde o começo. Foi difícil me adaptar ao futebol, mas na cidade foi fácil. Eu me sinto em casa aqui e me surpreendeu mesmo como as pessoas tratam os estrangeiros, o pessoal aqui é mais parecido com os brasileiros.
Com o Coliseu ao fundo, o ex-meia do Santos revela detalhes da sua vida na Itália (Foto: Claudia Garcia)
Você não fez uma boa temporada no primeiro ano e quase foi emprestado. Que times o Lazio propôs a você?
Não foi como eu esperava, eu pensei que ao fim de dois, três meses fosse conseguir jogar com regularidade, isso não aconteceu. Havia vários times interessados, falaram no Torino, no Napoli, havia outros da Série A, mas graças a Deus essa hipótese de empréstimo, não se concretizou.
E como é que você os convenceu a ficar no Lazio nesta temporada?
Mudou o treinador (Stefano Pioli) e na pré temporada mudou muita coisa também. O novo treinador me deu mais liberdade, me senti mais livre para poder jogar e criar jogadas, como acontecia no Santos e isso foi a chave para poder fazer a diferença em campo.
Mas o que é que mudou em você para conquistar não só essa sequência de jogos, mas de gols também?
Muitos diálogos com o treinador, com os jogadores mais experientes do time, treinos separados, insistência vamos dizer assim. Todo o mundo sabe que eu sou um bom jogador, que eu tenho essas qualidades, eu também sei, mas eu não conseguia transformar isso em gols e assistência. Sempre faltava um pouco de raiva, de fome em campo como falam os italianos, então eu trabalhei nisso, ser mais concreto.
Que outros jogadores do Lazio foram importantes para a sua transformação?
O Klose é incrível, é um exemplo, sempre dá tudo nos treinamentos e ele sempre me falou que eu era um bom jogador, que tinha talento e tinha de tentar continuar fazer o mesmo, me incentivou a continuar mesmo nos momentos difíceis porque todo o jogador passa por isso e uma hora ou outra ia desencantar…Os outros também, o argentino Biglia, o capitão Mauri, o Marchetti, estão sempre me apoiando, pedindo para ajudar a levar o time na Champions, um cobra do outro, falamos para não desistir, continuar dando tudo pelo terceiro lugar e então essa é a diferença, esse espírito está fazendo o Lazio crescer cada vez mais.
Você jogou o seu primeiro clássico contra a Roma, marcou e deu assistência. Que estreia. Qual foi a sensação?
Antes de vir para cá, o pessoal falava que eu tinha de fazer um gol nesse dérbi, então foi o primeiro que eu joguei, e tive a oportunidade de fazer um gol e uma assistência, foi sem dúvida o gol mais especial para mim com a camisa do Lazio.
Qual foi o maior elogio que você recebeu na Itália?
O treinador do Sampdoria me comparou ao Cristiano Ronaldo. Esse foi o maior elogio que eu ouvi, porque foi um treinador de um time rival a me comparar com o melhor do mundo. Porque um treinador do rival te comparar com o melhor jogador do mundo foi um dos melhores elogios que eu poderia ter ouvido.
Felipe Anderson com a 10 do Santos (Foto: Ale Cabral/Futura Press/Agência Estado)
Que diferença você vê do vestiário do Lazio para aquele que você tinha no Santos?
No Santos era aquele time mais jovem, a brincadeira, a gente cantava, brincava, só parava mesmo na hora da preleção do professor e na hora do jogo que a gente levava mesmo a sério a mesmo. A diferença é que aqui a gente tem de ser mais sério durante a semana mesmo, no Santos, a gente bagunçava mais.
Como é que você lidava com a cobrança do Muricy Ramalho no Santos?
Eu até agradeço muito ele, porque com ele, eu joguei muito, acho que podia ter jogado mais, mas foi uma ótima experiência para a minha carreira, aprendi muito, ele falava muito comigo…
Foi uma cobrança excessiva?
Creio que sim, um pouco, até porque eu acabava por ser exposto demais diante da torcida que pegava muito no meu pé. Mas ele sempre me disse que fazia isso para o meu bem, porque acreditava muito em mim, no meu talento e eu acreditava nisso. Por isso, eu peguei as coisas positivas e graças a Deus agora estou conseguido colocar isso em campo.
Você ainda fala com o Muricy?
Não.
Quais são as principais diferenças entre os torcedores do Lazio e do Santos?
A torcida do Lazio é muito fanática, principalmente por causa do clássico da cidade de Roma. Quando eles veem você, só falam no dérbi: “Vamos ganhar, temos de ganhar”. É diferente. Eles vivem muito cada partida e principalmente o jogo contra o Roma. Mas no Santos existe mais cobrança. Lá os torcedores esperavam muito de mim e me cobravam muito, aqui também, mas eles apoiam mais, falam para você não desistir e continuar…
O Santos desistiu de você cedo demais?
Não, porque foi minha a decisão de sair. O Santos até queria que eu continuasse, mas eu decidi que era a hora certa para sair. Senti falta de apoio, poderia ter dado mais ali, porque eu subi ao profissional quando tinha 17 anos e nessa idade todos me comparavam com o Ganso. O Ganso estava vivendo um momento mágico e é difícil para um garoto de 17 anos chegar ao time profissional, vestir a camisa 10 e fazer o mesmo que o Ganso fazia. Só que eu sempre mantive a cabeça no lugar, sei que essas coisas são normais no futebol, mas com um pouco mais de paciência eu teria rendido muito mais, teria dado muito mais alegrias do que aquelas que eu dei para os santistas.
Você mantém contato com os meninos que jogaram com você no Santos?
Sim, com todos praticamente. O Rafael (goleiro Napoli) vem várias vezes a Roma me visitar, também converso bastante com o Neymar por whatsapp, ainda estamos um pouco longe, mas é uma amizade que vai durar para a vida inteira. Fiquei muito tempo no Santos, foram seis anos e com o Neymar foram muitos anos de amizade.
Felipe Anderson e Neymar durante a passagem pelo Santos (Foto: Instagram / Divulgação)
Ele lhe dá conselhos?
O Neymar fala que tem de ser ousado, tem de ir para cima porque a gente tem de se adaptar ao futebol deles sim, mas não podemos mudar o nosso estilo. Ele acompanha alguns jogos, elogia, eu o elogio, eu dou boa sorte, parabéns depois dos jogos, estou muito feliz com o sucesso dele, torço muito por ele, graças a deus está dando tudo certo para a gente e quem sabe um dia a gente não se encontra de novo.
Pelo seu estilo de jogo, você poderia ser um bom companheiro para o Neymar na Seleção?
Sim, esse é o meu objetivo, mas estou levando com muita calma, porque eu sei que se jogar bem, estiver tranquilo, com o pensamento só aqui, vai dar tudo certo. O meu sonho é disputar as Olimpíadas no Brasil, mas seria uma alegria muito grande ser chamado à seleção.
Já conversou com o Dunga?
Não, nunca falei com ele, espero em breve poder vê-lo.
A sua boa fase no Lazio foi travada pela lesão no joelho. Você disse que deve voltar em breve aos gramados. Você teme não conseguir retomar o nível de há um mês em que você marcava quase um gol por jogo?
Fisicamente eu estou bem, agora só preciso ganhar ritmo de jogo novamente para voltar a fazer gols, mas eu estou confiante no meu talento e a diferença é que agora o time também confia muito em mim, isso muda a sua confiança, é importante, espero voltar a fazer tudo o que fiz ao longo desses dois meses.
Eles tratam você como o craque do time?
Eu sinto isso, até porque quando você recebe muita a bola, os companheiros te ajudam, no jogo você vai para cima, chuta, arrisca, você vê os companheiros te pedindo para ir para cima, te dão a bola sempre, eles falam vai, vai faz um gol, isso é muito importante.
Além da lesão, o seu momento familiar também não é fácil.
É, mas eu tenho graças a Deus uma família maravilhosa, grande, que está tomando conta de tudo isso, tenho meu irmão que está aqui comigo e a cabeça está focada no futebol mesmo.
Com passagem pela Seleção de base, Felipe Anderson sonha disputar as Olimpíadas de 2016 (Foto: Agência AP)
Como é que você está lidando com essa acusação de duplo homicídio de seu pai?
Eu estive no Brasil esses dias, mas eles mesmos pediram para eu ficar aqui, sabem que estou vivendo um momento maravilhoso, importante, eu sou forte, aprendi a ser forte com toda a minha família, porque já passamos muitas dificuldades quando eu era mais novo, aprendi a ser forte em criança, e estamos juntos, estamos sempre falando.
Você, nesse momento, está do lado do seu pai?
Com certeza, um momento difícil que a gente vai passar junto, como sempre, passamos momentos bons e difíceis, meu pai é tudo para mim e vamos estar juntos sempre.
Como é que o pessoal do Lazio está ajudando você a superar esse momento?
Eles conversam, falam para estar tranquilo, porque são coisas que acontecem na vida, a vida tem coisas boas, coisas ruins. E é isso que eu tenho feito, eles sabem que eu tenho uma cabeça muito boa, estou tranquilo.
Como é que você se vê no futuro?
Eu espero continuar fazendo muitos gols e me vejo na seleção brasileira.
Se tivesse a possibilidade de jogar em um grande time europeu, qual você escolheria?
Tem muitos, mas o meu futebol se encaixaria na Espanha, poderia fazer muito bem lá.
Real Madrid ou Barcelona?
Agora é difícil, é difícil, são dois times grande, que um jogador sonha de pequeno jogar nesses times.
Cristiano Ronaldo ou Messi?
Cristiano Ronaldo. É uma máquina, me inspiro muito nele, agora está conseguindo alcançar o Messi na bola de ouro, já tem três e ainda está com 29 anos. Espero que ele continue dando muitas alegrias para os torcedores do futebol, para os torcedores do Real Madrid, aos portugueses, e conquiste muitas coisas ainda.
fonte: globo