Craque aconselha jogadoras a irem para exterior, diz não saber onde vai jogar em 2013 e afirma que Brasil está ficando para trás no futebol feminino
Por Rafael Maranhão
Especial para o GLOBOESPORTE.COM em Tyresö, Suéciabrasil
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Marta está falando sobre um outro assunto, mas a palavra escapa como um ato falho. Não chega nem a ser a palavra inteira, pois a jogadora consegue interrompê-la: "Olimp.". O suficiente para revelar algo que não sai da cabeça dela desde o dia 3 de agosto: aeliminação da seleção brasileira feminina de futebol dos Jogos Olímpicos de Londres após uma derrota para o Japão nas quartas de final.
– Foi muito estranho o que aconteceu, não consigo entender. Eu me cobro todos os dias, eu me pergunto todos os dias o que eu podia ter feito para que a gente pudesse ter um resultado melhor nas Olimpíadas, ter chegado pelo menos a disputar uma medalha – diz a craque de 26 anos.
A decepção com o resultado somente não é maior do que a preocupação com o futuro. Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM na Suécia, Marta diz que o Brasil está ficando para trás no futebol feminino e aponta uma seleção permanente, a exemplo do campeão olímpico Estados Unidos, como uma possível solução - recentemente, Cristiane também criticou a organização brasileira. Enquanto ela não vem, Marta aconselha as jogadoras a buscarem um clube no exterior. Ainda que nem ela saiba onde atuará no ano que vem.
O contrato com o Tyresö termina no fim do ano. No sábado, pela última rodada do Campeonato Sueco, Marta enfrenta o LdB Malmö na casa do adversário na última chance de conquistar um título em 2012. Depois disso, ela diz que precisa de férias e por isso não aceitou o convite do Vitória-PE para disputar a Copa Libertadores feminina. Nem mesmo a viagem que faz a Zurique desde 2004 para a premiação da Fifa às três melhores jogadoras do ano está garantida.
– Esse, sem dúvida, é o ano mais difícil. O resultado nas Olimpíadas vai contar muito – afirma.
GLOBOESPORTE.COM: Você já conseguiu superar a decepção nas Olimpíadas de Londres? Qual a explicação para o resultado ruim da seleção brasileira?
Marta: Ainda não. Esses dias mesmo eu estava relembrando os jogos das Olimpíadas. Para mim foi muito estranho o Brasil não ter classificado para as semifinais, não ter ido mais longe. Foi muito estranho porque a gente tem um potencial muito grande. Eu realmente não sei se é uma questão de mentalidade, se falta alguma coisa... A gente tem visto aí equipes abaixo da nossa mas que têm uma mentalidade, uma tranquilidade para disputar uma partida de Olimpíadas, de Copa do Mundo, que o futebol feminino brasileiro não tem.
O que é preciso para se chegar ao nível das outras equipes?
A gente não pode ficar esperando que as coisas aconteçam, a gente precisa também querer mudar as coisas. E eu me cobro todos os dias, eu me pergunto todos os dias o que eu podia ter feito de melhor para que a gente pudesse ter um resultado melhor nas Olimpíadas, ter chegado pelo menos a disputar uma medalha. Eu me cobro muito, mas não posso cobrar o grupo todo, cada uma tem que fazer isso. Mas a gente sabe que o futebol feminino brasileiro tem muito a oferecer ainda, tem muito a mostrar e a gente tem que levantar a cabeça, colocar as coisas no lugar e trabalhar firme. Se meu corpo ainda responder bem, quem sabe vou ter a oportunidade de estar no Mundial ou nas Olimpíadas do Brasil em 2016.
No passado, você cobrou mudanças, a criação de uma liga feminina de futebol e melhor estrutura. Agora, diz que não é possível ficar esperando as coisas acontecerem. Qual a solução, então, sair do Brasil?
Eu acho que sim, porque é muito difícil para uma jogadora de seleção brasileira, de alto nível, manter a qualidade não tendo uma liga no Brasil, não tendo uma competição para disputar em que ela realmente vai ser exigida. Então isso influencia muito. A mentalidade no exterior também é diferente. Nós, que jogamos aqui fora, costumamos atuar contra meninas que a gente sempre encontra em seleções estrangeiras. Então a gente se acostuma a jogar num nível mais alto, você é cobrada em todas as partidas e tem que se exigir cada vez mais. Isso não dá para comparar com o Brasil, onde uma jogadora disputa uma liga que dura dois, três meses, aí para e depois volta a treinar de novo. Apesar de numa seleção como a dos Estados Unidos, por exemplo, a maioria das jogadoras também não estarem numa liga.
Uma seleção permanente, como a dos Estados Unidos, seria um caminho para o Brasil?
Se é uma solução, eu não sei. Mas que funciona com os Estados Unidos, funciona. As jogadoras treinam praticamente o ano inteiro na seleção, tem o calendário exclusivo para elas, então é uma situação diferente. Elas têm uma remuneração que te permite, por exemplo, largar o clube para se dedicar exclusivamente à seleção. É um outro caso e faz a diferença toda.
Você foi nomeada entre as dez melhores do ano para a Bola de Ouro da Fifa. Acredita que estará mais uma vez entre as três primeiras? O resultado das Olimpíadas vai influenciar na escolha?
O resultado da equipe influencia muito. Se forem pegar e olhar apenas o lado individual são muitas as atletas de alto nível, até mesmo aqui na liga sueca. Mas foi um ano de Olimpíadas e vai contar bastante o que a seleção da jogadora alcançou. Então, eu já estou feliz por estar entre as dez melhores. Já é um grande privilégio para mim. Mas, sem dúvida, esse é um dos anos mais difíceis.
Você vai disputar a Libertadores feminina? Aceitou o convite do Vitória-PE?
Não, não há condições. A temporada foi muito longa, joguei aqui na Suécia, joguei com a seleção brasileira... Depois da última partida do Tyresö ainda continuo treinando por mais uma semana para fazer alguns testes e devo voltar para o Brasil lá pelo dia 12. Não devo nem participar da premiação dos melhores da liga sueca. O Vitória cogitou meu nome mas não posso ultrapassar o meu limite. O corpo do atleta precisa de descanso também e se eu saísse daqui diretamente para disputar a Libertadores seria um período curto, praticamente só o restante do mês de novembro. Depois já vem o Torneio Cidade de São Paulo, pela seleção brasileira, do dia 4 ao dia 18 de dezembro. Com isso tudo é praticamente impossível para um atleta manter o ritmo o ano inteiro. A gente precisar ir para casa, descansar, comer a comidinha da mamãe, tomar um refrigerante (risos).
E depois disso, você volta para a Suécia? Continua no Tyresö em 2013?
Não sei. Tenho contrato para este ano e uma opção de renovação para o ano que vem, mas não está nada certo. A gente não pode falar nada agora porque está muito cedo ainda. Vamos sentar, conversar e ver. Foi bacana, foi muito bom ter voltado mas não depende só de mim para o próximo ano. Acho muito difícil que a liga dos Estados Unidos volte, mas, sinceramente, eu prefiro ficar no futebol europeu. Se não for na Suécia, que seja em algum outro lugar da Europa. Tem várias equipes boas aqui hoje em dia e as ligas existem há muitos anos, não é uma coisa que vai acabar na próxima temporada, que fica com aquelas incertezas todas. E ainda espero que aconteça algo de bom no Brasil para que eu possa um dia voltar e jogar lá.
Acha que você tomou a decisão certa ao voltar para a Suécia?
Sim, a coisa mais positiva do ano foi ter voltado para a Suécia, poder jogar aqui de novo, sentir o calor do público e o carinho que as pessoas têm por mim. Joguei três fora, voltei e percebi que as pessoas ainda guardavam esse carinho por mim, então isso muito importante para mim quando cheguei aqui. Pelo menos a classificação para a Liga dos Campeões nós já temos, agora vamos em busca do título sueco e depois ver como vai ficar a equipe para o ano que vem. Dificilmente aconteceu de eu terminar um ano sem ter conquistado algum campeonato. Nós nos complicamos diante de equipes contra quem não deveríamos ter perdido pontos, com todo respeito aos adversários, mas agora temos essa oportunidade de ganhar o título e vamos em busca dela.
Você lidera as estatísticas de passes para gol (16) mas dessa vez ficou longe da briga pela artilharia do Campeonato Sueco (quinto lugar, com 12 gols). O que mudou?
Eu virei garçonete, né? (risos) Mas eu sempre fui assim, sempre pensei na equipe em primeiro lugar. Na maioria das vezes, se vejo uma companheira em situação melhor, sem dúvida vou dar o passe para o gol. Esse ano aconteceu mais de eu estar nessa situação. Não acho que foi um motivo especial.
FONTE: GLOBO