terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Dívidas, sofrimento e acaso dão origem aos Meninos da Vila em 2002


Após investir em medalhões, Santos é obrigado a apostar na base. Leão aponta 'folga forçada' como vital para formação do time campeão brasileiro

Por Marcelo Hazan e Lincoln Chaves
Santos, SP
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header -  dez anos do título brasileiro de 2002 do santos (Foto: arte esporte)


Gil recebe lançamento pela esquerda e avança. Com um giro desconcertante, deixa André Luis no chão. Levanta a cabeça e dá passe para Marcelinho Carioca. Inteligente, o Pé de Anjo faz corta-luz e deixa a bola passar para Ricardinho. De chapa, com categoria, o meia marca. Tiro seco no canto direito de Fábio Costa. O golaço aos 47 minutos do segundo tempo classificava o Corinthians para a final do Paulistão e significava mais um ano de sofrimento para o Santos.
Motivo de muita tristeza e mais brincadeiras dos rivais, a eliminação do Peixe em 2001 é justamente uma das responsáveis pelo início da formação do time campeão Brasileiro de 2002. Na dor de mais uma derrota foi decidida a mudança radical nos investimentos do clube. Retomar a tradição dos Meninos da Vila era necessário. Mais do que isso: era a única saída.
Marcelinho Carioca participou do lance traumático para os santistas, mas também vestiu a camisa do Peixe. Ele, Edmundo e Rincón, entre tantos outros atletas renomados, jogaram nos times do Santos de 2000 e 2001. Investimento pesado. Retorno zero. A esperança do presidente Marcelo Teixeira de ver o time levantando uma taça se esvaiu tão rápido quanto o dinheiro do clube. Eram tempos ingratos, de vacas magras. E tudo parecia ir de mal a pior.
“Estamos mortos, não temos jogadores”, decretou o técnico Leão a Marcelo Teixeira, antes de conhecer a fundo o elenco santista e depois de ter boa parte de seus pedidos de reforços negados. Leão classifica como “medonha” a situação do clube à época. Sem estrutura e  dinheiro, o jeito era apostar na molecada. Mas isso só foi possível graças à contribuição de seu antecessor: Celso Roth.
time posado Santos campeão 2002 especial (Foto: Arquivo / Ag. Estado)
No alto: Alex, Preto, Pereira, Fábio Costa, Renato, Maurinho, Rafael, André Luís e Paulo Almeida; Abaixo:
Alexandre, Douglas, Diego, Michel, Robert, William, Léo, Robinho e Elano (Foto: Arquivo / Ag. Estado)
Os pais dos Meninos da Vila
“Acaso” é a palavra usada por Diego, parceiro inseparável de Robinho, para definir a formação daquela equipe. O meia, assim como Teixeira, também vê influência divina na montagem do time. Leão concorda com o acaso, mas também diz que houve competência para aproveitá-lo. Ele deu sua cara para a equipe e investiu nos garotos. Mas Roth recorda que já trabalhava com nove dos 11 titulares do Santos na final contra o Corinthians. As exceções eram o lateral-direito Maurinho e o centroavante Alberto, contratados depois – o zagueiro Alex integrava o elenco de Roth, porém estava lesionado e só passou a ganhar chances com Leão. Mas Fábio Costa, André Luis, Léo, Paulo Almeida, Renato, Elano, Diego e Robinho já estavam no grupo de Roth.
Estamos mortos,
não temos jogadores"
Leão, ao ser contratado para o Brasileiro-2002
Após avaliar os garotos na Copa São Paulo de 2002, a comissão técnica de Roth promoveu Leandro (lateral-esquerdo), Wellington (meia), William (atacante), Douglas (atacante) e Diego (meia). Este foi o que mais teve chances com o treinador, por quem é grato até hoje. E Robinho?  O franzino atacante só teve oportunidade graças à insistência de Zito.
Com a molecada aliada a alguns poucos remanescentes do time de medalhões, mais os reforços de Odvan, Esquerdinha e Oséas, Roth tinha seu plantel para a temporada. O planejamento era ter frutos só em 2003, dada a juventude do elenco. Mas as eliminações precoces diante do Internacional na Copa do Brasil e ainda na primeira fase do Rio-São Paulo abriram um buraco no calendário santista. Com isso e a folga forçada em virtude da Copa do Mundo, a equipe ficaria três meses parada. Era hora de conter despesas. Teixeira não pagaria os altos salários de Roth para “nada” e, em consenso, foi decidida a saída do treinador. Por esse mesmo motivo, Robert foi emprestado para o São Caetano, clube pelo qual jogou a Libertadores e foi vice-campeão.
Apesar da contribuição para a formação dos garotos, Celso Roth não se considera parte do título de 2002 e deixa todo os méritos para Leão. A troca de elogios é mútua, mas o técnico campeão também diz que muitos meninos que sobem ao profissional e não vingam sequer são lembrados.
Mesmo assim, ele ressalta o olho de Roth e imagina que com tempo para treinar a molecada o gaúcho aproveitaria a capacidade que existia e estava esperando para ser descoberta. Roth não se arrepende de ter lançado os garotos gradativamente. Sua ideia era usá-los como titulares no Brasileirão. Por pouco, a história não foi diferente.
Leão Santos campeão 2002 especial troféu (Foto: Divulgação / Site Oficial do Santos)Leão levou o Santos ao título com um grupo formado por Roth (Foto: Divulgação / Site Oficial do Santos)
Parada fundamental
Leão não era o primeiro nome na cabeça de Teixeira para comandar a renovação pela qual o Santos precisava passar. Pepe, o eterno Canhão da Vila da década de 60, e Pita, ex-meia da primeira geração de Meninos da Vila, foram os nomes inicialmente cogitados. A ideia de usar um dos ídolos era ter alguém com conhecimento da base e que conhecesse a pressão no clube para suportá-la. Mas o tempo mostrou que Leão era mesmo o nome certo.
Até ele (Marcelo Teixeira) desconhecia alguns dos garotos"
Leão, sobre a conversa com o então presidente
Demitido da Seleção em 2001, o técnico viu na folga forçada pelas eliminações precoces a oportunidade de preparar o elenco. Os três meses de inatividade foram fundamentais para transformar o “bando de crianças” em um time. A cada dia, Leão se surpreendia mais com o talento inesperado dos garotos. Dois meses depois de treinar a molecada, ele se reuniu novamente com Teixeira e disse que seu grupo estava fechado para disputar o Brasileirão.
– Esquece tudo o que falei há dois meses. Não quero ninguém. O Marcelo respondeu: “Nós vamos cair”. Eu disse que então iríamos cair juntos. “Se você não acreditar em mim, não me apoiar, como vamos mudar? Você tem ótimos jogadores. Ninguém levantou a mão para apoiá-los”. Até ele (presidente) desconhecia alguns dos garotos – diz Leão.
A versão é controversa. Teixeira garante nunca ter pensado em rebaixamento, pois acreditava nos investimentos feitos nos atletas jovens.
 – A imprensa dizia que o time era para cair e que contrataríamos Romário e Ramón, mas eu não trazia ninguém. Pelo contrário. Dizia aos jogadores: “Esse é o elenco, e vocês vão cumprir e honrar a tradição do Santos”. Não sabia se brigaríamos pelo título, mas sim que faríamos um ótimo campeonato. Entramos sem pressão e deu liga – afirma o ex-presidente.
Divergências à parte, Leão gostava dos garotos nas atividades do dia a dia. “Vai dar samba”, pensou. Mas era a hora do vestibular em campo. Por isso, ele marcou uma série de amistosos e jogos-treino. O time venceu Roma de Apucarana-PR, Comercial e Glasgow Rangers, da Escócia. Faltava um grande adversário. Faltava o teste de fogo. Faltava um clássico contra o arquirrival Corinthians.
'Teste louco' e a mensagem marcante
– Chamei o Zito e falei: “Vou conversar com o Parreira e pedir um amistoso com o Corinthians”. Ele me chamou de louco e eu respondi que não adiantava jogar contra o time da Biquinha (praça que é local turístico de São Vicente, cidade vizinha a Santos) – conta Leão.
Aproveitando-se da amizade com Carlos Alberto Parreira, treinador do Timão e atualmente coordenador de Seleções da CBF, Leão acertou o amistoso contra o arquirrival. Sua única exigência era que a partida fosse na Vila Belmiro, para ver o comportamento dos garotos - não só os formados na Vila, mas como os recém-contratados Elano e Renato (veja vídeo ao lado).
Campeão da Copa do Brasil e do Rio-São Paulo, o Corinthians era o favorito a ganhar o Brasileirão. Fábio Luciano, Kleber, Rogério, Vampeta, Ricardinho e Gil eram alguns dos grandes jogadores da forte equipe. Daí o temor do capitão e volante do Peixe dos anos 60.
– Antes do jogo, no vestiário, o Zito insistiu: “Você é louco, vai levar uma goleada e não vai ter clima para jogar o campeonato”. Respondi a ele: “Zito, você é o maior dos que eu vi jogar na sua posição, mas está medroso”. Vencemos por 3 a 1 e depois ele me disse que eu era um louco com sorte (risos). Ali os jogadores perceberam que poderíamos fazer frente aos outros times – recorda Leão.
Dali em diante, os Meninos da Vila ganharam confiança e iniciaram a campanha do título. Após oscilar, o time viveu muita tensão na última rodada da primeira fase, quando perdeu por 3 a 2 para o São Caetano e imaginou estar eliminado. Os jogadores desabaram de tristeza no campo. A goleada por 4 a 0 do rebaixado Gama sobre o Coritiba, porém, ressuscitou o Santos, classificado para as quartas de final.
Leão só soube da reviravolta no vestiário. Desolado enquanto deixava o campo, ele ouviu de Mário Sérgio, amigo pessoal e então técnico do Azulão, uma frase que lhe marcou. “O seu time é o melhor. Mas criança ganha jogo, não vence título”. O técnico diz ter repassado a mensagem aos atletas, mas de forma mais amena. E as crianças superaram São Paulo, Grêmio e o próprio Corinthians, respectivamente, para levantar o troféu da redenção.
fonte: globo